Pular para o conteúdo principal

A Bruxa (2016) | Experiência inquietante

The Witch (USA)
Nova Inglaterra, século XVII, após serem julgados e expulsos de um vilarejo, William e Katherine (Ralph Ineson e Kate Dickie) vivem com seus cinco filhos próximos a uma floresta. Um dia o filho mais novo do casal desaparece sem deixar vestígios, o que causa estranhos acontecimentos e reações desastrosas no círculo familiar.

Recentemente, Stephen King, um dos maiores escritores da literatura fantástica, divulgou que ‘A Bruxa’ o teria assustado completamente. Pois bem, estou até agora esperando ver a versão que tanto o apavorou, tenho certeza de que não foi a mesma que eu assisti. Antes de qualquer coisa, trata-se de um excelente filme, não me entendam mal. ‘A Bruxa’ é um drama de suspense psicológico que flerta corajosamente com o lado sobrenatural resultando numa experiência que se não é aterrorizante, mas certamente é perturbadora e inquietante.

Desde o início da projeção, o roteiro deixa claro que a família é cristã fervorosa. Isso está presente em todos os diálogos, especialmente nas falas do personagem William, um homem que, embora desesperado pelo desaparecimento de um de seus filhos, ainda demonstra uma serenidade constante e praticamente inabalável. Tudo começa a mudar quando após esse sumiço repentino do bebê, a colheita não dá bons resultados e a filha mais velha do casal, Thomasin (Anya Taylor-Joy), sente que algo de demoníaco está rondando seu lar. Daí em diante uma paranoia coletiva passa a se formar destruindo todos os laços familiares que os uniam.

Apesar de estar sendo distribuído pela Universal Filmes, ‘A Bruxa’ é um filme independente com participação de um brasileiro na produção, Rodrigo Teixeira da RT Features.  O roteiro que se baseou em documentos originais de época mexe com temas delicados. Além do ocultismo, a trama foca-se principalmente na questão feminina, de como o cristianismo tratava a mulher nos tempos de caça às bruxas e na paranoia que o fanatismo religioso pode ocasionar. O filme se destaca ainda mais na acertada escolha em não usar os famosos jumpscares esperados; em uma obra dessa natureza, quem for assistir esperando um filme de terror onde irá dar pulos de sustos vai se decepcionar. Mas se a sua intenção é ver um filme que preza pela atmosfera sombria e a construção da tensão com sutilezas desde a fotografia escura e de certa forma melancólica de Jarin Blaschke até a trilha sonora de Mark Korven cujos acordes tétricos se misturam ao som ambiente dando uma sensação claustrofóbica mais profunda, então pode se preparar para visualizar algo de altíssimo nível.  

O forte teor antirreligioso é explícito, o uso e desconstrução de valores religiosos é algo que o roteiro faz questão de nunca esconder, repleto de simbologias bem diretas, o minimalismo ainda assim se faz presente; o que é muito bom, pois exige mais da mente do espectador e principalmente gera questionamentos a cerca do que é apresentado. Justamente quando o filme, em determinada sequência, se torna autoexplicativo demais é quando ele comete seu único deslize, nada que possa estragar a experiência imersiva até então, apenas sai um pouco da trilha climática e sugestiva que prosseguia para uma pequena exposição desnecessária. 

Todo o elenco merece destaque, em especial as crianças Mercy e Jonas, interpretados respectivamente por Ellie Granger e Lucas Dawson e Caleb, interpretado por Harvey Scrimshaw.  A direção e o roteiro ficaram a cargo do estreante em longas metragens, Robert Eggers, que se revela um cineasta bastante talentoso e detalhista, além, claro, de um excelente roteirista. 

‘A Bruxa’ merece ser visto tanto por apreciadores do cinema de gênero, como também por amantes de cinema em geral. Uma experiência formidável.

Avaliação


Comentários

Postar um comentário

Deixe sua opinião!

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante