Pular para o conteúdo principal

Indignação (2016) | Propriedade sob conflito

Indignation (EUA)
O norte-americano “Indignação” é principalmente crucial por dois motivos muito expressivos. É o primeiro filme dirigido por James Schamus, o “roteirista de Ang Lee”, autor de obras como ‘O Tigre e o Dragão’, ‘Desejo e Perigo’ e até mesmo ‘Hulk’. Além disso, é um ponto de virada muito interessante na carreira do jovem ator Logan Lerman (também produtor executivo), astro da série malsucedida ‘Percy Jackson’. A balança entre a transição de uma larga experiência e a consolidação de outra bagagem “iniciante”, faz deste um filme de tons desafiadores.

'Indignação' conta a curta história de Marcus, um jovem judeu recém-chegado na Universidade Winesburg, em 1951. Antes de tudo, é bom compreender que, embora tenha personagens interessantes, trata-se de um filme egocêntrico. Isso é um aspecto que se torna evidente pela centralização cada vez mais bruta em torno de seu protagonista. Marcus, a excelência da trama, é um personagem de complexidade admirável. E a sedutora abordagem de Logan ao seu processo conturbado força Schamus ao dedicar a maior parte de seu filme para compreendê-lo, mais ou menos como seu Charlie de ‘As Vantagens de Ser Invisível’. Diferente dele, porém, o roteiro adaptado da obra original de Philip Roth, comprime seu entorno de modo brusco. Schamus converte isso em uma necessidade incontestável de construir uma experiência de imersão na mente de Marcus e tudo que lhe preocupa. 

A grande “problematização” do filme, por exemplo, poderia ser um mero detalhe gratuito de sua construção – nada mais óbvio trazer descoberta sexual ao “amadurecimento” de um jovem. E, por mais que tudo faça sentido em seu ambiente histórico, não é previsível que isso fosse guiar tudo dali para frente. De repente, há um emaranhado de níveis entrelaçados entre Marcus e Olivia (Sarah Gordon) e é inevitável não se sentir no processo. Só então, no auge da crise, seu contexto sociológico se torna ensurdecedor. Não só o conflito de raciocínio óbvio entre religiões justifica seu personagem judaico, mas sua posição agoniada diante ao que o próprio conflito incita. 

“Indignação”, portanto, torna-se um estudo de comportamento social. E usar um personagem como Marcus para evidenciar isso é brilhante. Schamus não esconde isso, como citei antes sobre o foco de sua abordagem. Incomoda no início pela falta de camadas para aquela realidade – seja a relação com seus pais, com a mudança e até mesmo com a personagem de Gordon. Tudo começa de modo muito disperso com alguns elementos escassos de propriedade. Mas uma única cena é capaz de transformar o contexto, aproveitando todo seu potencial expositivo. Pensamentos sob raciocínios, perguntas em respostas, e a conversa entre Marcus e o reitor Dean Caudwell (Tracy Letts) sobre assuntos tão inquietantes se constrói como um diálogo imenso e incansável de força impressionante – se o filme fosse somente isso já valeria a pena. 

O que vem depois, confirma sua garra. As questões comportamentais postas antes são constantemente retomadas e fortificam outros traços esquecidos, como sua relação com os pais. E a proposital bagunça de todas essas questões se unificam para justificar, próximo de sua conclusão, o quanto finalmente a mensagem está clara – e ao mesmo tempo opaca. A complexidade de Marcus (e tudo que debate) não é banal, e isso é o que “Indignação” tem de mais consistente.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante