Pular para o conteúdo principal

O Elegante Casarão de La La Land


Atenção: esse texto contém breves spoilers de 'La La Land - Cantando Estações'

Recorde de indicações não só no Oscar 2017, mas na história da premiação se igualando "A Malvada" (1950) e "Titanic" (1997), o novo filme de Damien Chazelle gerou muita expectativa. Mas, diferente do que hype atual indica, ela veio de muito antes. 

Lembro da indiferença inicial a Whiplash, que, mesmo ovacionado em Sundance e em outros vários festivais em 2014, chegou no Oscar 2015 como 'azarão' e surpresa total. Na conhecida onda de especulações do público, o filme surgiu como uma icógnita. Quem era Damien Chazelle no jogo do bixo? Até então, ninguém. Com um longa "Guy and Madeline on a Park Bench" e um curta (original de Whiplash), Damien não parecia um nome promissor para a indústria cultural tão contrariamente exclusivista dos EUA. 

Mas 'Whiplash' foi um tiro certeiro. De repente, tornou-se um dos favoritos da premiação, apesar de ter chances mínimas - porém, arrecadou bons prêmios. Não só o esperado de melhor ator coadjuvante para J. K. Simmons, mas também Melhor Montagem, retirando de cena o esperado Boyhood por ter extraído de 12 anos de filmagem, uma montagem orgânica e contida. Sem citar o prêmio óbvio de Melhor Mixagem de Som. Quanto às que não venceu, como Melhor Roteiro Original e Melhor Filme, grandes nomes passaram por essas indicações e foram esquecidos. Mas aos créditos de 'Whiplash', ficou muito claro que Damien não era um nome para se esquecer - essencialmente porque a garra com que registra a trajetória frenética de Andrew (com um histerismo no maior estilo Xavier Dolan) não é algo que possa esfriar. Chazelle tem pulso forte e não pretende parar, não tem como.

Em uma entrevista recente, o diretor disse que fez 'Whiplash' para que acreditassem que seria capaz de filmar 'La La Land'. É bastante curioso saber desse bastidor, porque é perceptível que os dois filmes possuem um clima imensamente divergente. Com essa informação, porém, aproximam-se. Todo nervosismo/raiva de Andrew se traduz na angústia e, como o próprio Chazelle disse, na frustração por não conseguir produzir La La Land. Andrew e Sebastian (Ryan Gosling) estão frustrados por não terem os sonhos reconhecidos.

Fui assistir o filme quase duas semanas depois da primeira exibição de pré-estreia na cidade, e conviver com as reações foi uma experiência instigante. Como estamos diante um filme de repercussão enorme, o debate parece ser unilateral: 'La La Land é foda'. Um dos poucos comentários contra essa dimensão ressaltava que o musical nascia datado, indicando que seria brevemente esquecido - e, convenhamos, de 2000 para cá, o Oscar já tem alguns vencedores esquecíveis. Nesse mesmo post, alguém comentou que o filme não entraria no limbo por, exclusivamente, ser um musical original com uma essência muito própria e de alcance imediato. Verdade. O filme é muito sincero ao próprio conceito, e corajoso ao se reinventar por cima de tantos clássicos hollywoodianos. 

'La La Land' não tem um história impressionante, o que, no entanto, não inviabiliza sua emoção. Apesar de se ater muito à "simplicidade" de seu conto de amor, é um filme que se intensifica nos desafios que encontra (a maior parte deles, técnicas - ponto para Chazelle). 'Os Miseráveis', por exemplo, possui uma história muito mais densa, mas Tom Hooper a transforma em uma trucagem até certo ponto muito ordinária. 'La La Land' tem uma alma muito mais receptiva e, ao compartilhar seus devaneios sem qualquer receio, determina-se como um filme muito próximo do público. Damien Chazelle compreende de modo muito emocionante a razão maior de um musical, que não se define por necessariamente ser cantado (aliás, há poucos números musicais aqui, se comparar a outros). A essência do gênero explica de maneira subjetiva a relação entre a abstração poética de um sentimento e a vontade de transformá-lo em música, em ritmo.

Na canção "A Moça do Sonho", Chico Buarque pausa a frustração de um momento para o devaneio:

"Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não"

E compreender esse mundo de sonhos é o que 'La La Land' tem de melhor. Já não importa tanto se a história é meio boba e seu background seja ainda mais não-sutil. Durante pouco mais de duas horas, sonhar já é o suficiente. A vida real com ex-namorado, pais, amigas, não é o que faz Mia feliz. E é ainda mais interessante que esses "sonhos de felicidade" estejam divididos entre sua carreira de atriz e a vida intensamente cantada/dançada ao lado de Sebastian. A conclusão de sua trama, por mais que antecedida por um salto desconfortável, é maravilhosa por saber "dar fim" ao sonho de maneira não-grosseira e imensamente bela. Dois sorrisos que compreendem a incompatibilidade dos destinos e valorizam tudo que foi sonhado. É como acordar de um sonho feliz em um dia feliz. Um final que dualiza em maestria com o último brilhante take de 'Whiplash'. 

Agora, se 'La La Land' se tornará um clássico hollywoodiano dos musicais, não temos como ter certeza. Mas podemos apostar (como também apostei na permanência de 'A Chegada' nas nossas memórias). Não que precise ser comparado, mas, mesmo que 'Whiplash' tenha uma história mais envolvente, 'La La' mexe muito mais com Hollywood, exalta com personalidade e criatividade símbolos que já dominaram seus estúdios. Quer alguém mais narcisista que Hollywood? É claro que ela vai lembrar com muito carinho de Damien Chazelle - e nós também.

 RELACIONADOS   DAMIEN CHAZELLE   RYAN GOSLING   TOM HOOPER  


Repensando #01: O Personagem Secreto de Xavier Dolan
Repensando #02: O Elegante Casarão de La La Land
Repensando #03: Scorsese, Dardennes e o Poder do Silêncio
Repensando #04: Não, a culpa não é do Shyamalan

 Repensando  #02 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante