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Elon Não Acredita na Morte (2017) | Thriller salgado e agridoce

Resultado de imagem para elon não acredita na morteO primeiro longa de Ricardo Alves Junior propõe uma imersão gradativa na mente de Elon. Vivido com uma introspecção sedutora por Rômulo Braga, o personagem já surge amargurado, recatado e cabisbaixo. A pequena jornada que se insinua no início é feita sem a necessidade de adiar um conflito que já surge pronto e, por isso, a obra ganha traços admiráveis de um thriller psicológico. Mas não é como se fosse ‘Garota Exemplar’ de David Fincher que desfruta de um naturalismo no meio de todo suspense. Está mais para uma união climática dos brasileiros ‘Para Minha Amada Morta’ e ‘Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois’. Vendo por esse histórico, ‘Elon’ divaga muito sobre a mesma desordem e, mesmo que se torne cansativo, tem uma ideia que vale a pena ser seguida.



Descobrimos cedo que Madalena, esposa de Elon, sumiu. Sem mais informações, é um mérito inteligente do roteiro escrito a quatro mãos que somente Elon importe (logo mais isso fará todo sentido). A angústia que salta dos olhos de Rômulo é um conflito ainda mais envolvente do que, necessariamente, conhecer o paradeiro da mulher. A partir de um momento, e isso é uma de suas maiores qualidades, o clima se torna assustador. Não porque utilize qualquer aspecto macabro em sua concepção, mas porque não permite que o espectador compreenda o protagonista apesar de compactuar com sua missão. Os olhares desconfiados, passos lentos e respirações profundas causam esse desentendimento que gera, ao invés de comoção, espanto. 

Todo esse sentimento, porém, não parece suficiente para preencher seus 74 minutos. Embora já seja uma duração curtíssima, o filme se arrasta no mesmo espaço. A longuíssima cena das portas, por exemplo, é uma síntese desse incômodo. Seu início é assombroso: Elon caminha de costas por um extenso corredor enquanto escutamos sons perturbadores de portas que se fecham. Fica claro que ele está atrás de algo, e a narração sonora manifesta essa raiva que cumula em uma possível revolta. É uma agressividade que diz muito sobre os destinos que o filme ainda viria a apresentar. Apesar disso, esse sentimento se enfraquece com uma duração que ultrapassa o sentido de resistência que o personagem possa ter.

Essas situações contribuem para que seu clima tropece. Parte disso, porém, parece lógico e ensurdecedor para com o conflito em questão. É uma linha tênue entre o desagradável construtivo e o exaustivo. O roteiro é esperto, vendo de modo geral, já que a resolução acontece em pouquíssimos segundos deixando últimos respiros por conta do espectador que se depara com os créditos enquanto ainda está digerindo a informação. É estranho e suficiente ao mesmo tempo que o filme precise se arrastar tanto para uma revelação que, felizmente, funciona. 

Sempre que avança em novas dúvidas, o filme se mostra ainda mais preocupado com as pontas de um mistério que é positivamente reduzido próximo ao desfecho. Há um requinte técnico de som assombroso que, sozinho, consegue elevar o suspense a um nível emocionante – torna-se óbvio que essa história jamais funcionaria sem seus efeitos sonoros agudos e uma trilha que constrói quase sozinha a aflição geral. 

A irregularidade de ‘Elon Não Acredita na Morte’ é encargo do cinema digital, já que filmar horas e horas não é mais um problema. Embora incomode constantemente, o filme faz um recorte charmoso de sombras da cidade e da consciência de um personagem que constrói o próprio labirinto. É fácil imaginar que essas ideias resultariam em um brilhante e assustador curta-metragem de 20 minutos. Com seus 74, a obra é uma comida agridoce que ameaça salgar a cada mordida e termina mais saborosa do que o esperado. 

Crítica: Elon Não Acredita na Morte (2017)


Thriller salgado e agridoce


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