Pular para o conteúdo principal

Melhores Amigos (2017) | Pequena grande história

Resultado de imagem para Little Men  2016Há uma certeza de realidade nas obras de Ira Sachs, e 'Little Men' (no original) é uma realização completa desse sentimento. Apesar de ter uma aparência muito simples, a história sobre dois garotos que se tornam amigos por uma situação inesperada é um drama que arde silenciosamente. E é curioso que nenhum de seus outros temas sejam levados a se concluir, bastando a Ira a percepção externa ao fato – e mesmo que os garotos não estejam 100% em cena, a eles o filme se dirige quando a história precisa de justificativas.

O impasse de uma inquilina que não pode ser despejada e a angústia de um ator malsucedido são problemas muito “adultos” para que duas crianças precisem resolver. Não é que eles possuam esse papel explicitamente, mas Ira e Maurício Zacharias (roteirista de ‘Céu de Suely’) compreendem que a origem dessas situações é justamente o que permitiu aquela amizade a se fortalecer prematuramente. E é aí que mora a certeza de realidade, nessa aproximação que é tão instantânea quanto sincera. O filme resgata essa percepção infantil do mundo, das relações, dos problemas e principalmente das soluções. Os garotos, em meio a precisão de seus deveres, tornam-se personagens tão reais que o envolvimento externo ao filme é imediato. Há uma vida de pequenas angústias, medos e tranquilidades a ser vista com a mesma preocupação que posteriormente acompanhamos o drama “adulto”. 

Aliás, as distinções entre Jake e Tony nunca são vistas como um conflito – até há um pequeno momento do filme que isso é induzido, mas sem a atenção usual. Questões que são explícitas nos outros filmes da dupla Ira/Maurício 'O Amor é Estranho’ e ‘Deixe a Luz Acesa’, aqui são somente entrelinhas que não precisam ser desenvolvidas; esse pequeno silêncio é ainda mais confortante para entender as emoções. Nada muda na relação dos dois, e os sonhos permanecem os mesmos. Jake quer ser artista visual e Tony artista cênico; ambos enxergam esse futuro juntos e a realidade externa não impede isso. É um raciocínio curioso, já que o “fracasso artístico” está em evidência como indicação ao que não trilhar: o trabalho com moda está ultrapassado naquela vizinhança, e a atuação não rende frutos suficientemente financeiros. Como se esse interesse ainda fosse parte de uma ingenuidade julgada, só que Ira confia demais nos seus personagens para que reduza esse drama a um grande sonho prestes à diluição. É tudo real, e isso confronta diretamente a verossimilhança do envolvimento dos garotos com a “realidade”. 

Embora tenha uma narração “calma”, a sensação é também de um filme que não perde tempo. O gancho inicial da trama cria rapidamente uma situação sensível de muitas possibilidades e, na cena seguinte, os antolhos são posicionados; é um filme que sabe para onde olhar. Não nos interessa visualizar esse passado que flutua sobre as tensões da história (flashbacks, porta-retratos, nada disso). Todas as provas estão no presente e objetivo é não permitir qualquer desconfiança. A posição de Leonor (a inquilina) é recebida com um sentimento pulsante e, de certa forma, muito repentino, por mais que a principal desordem se construa gradualmente. E apesar de tudo isso abrir um leque pertinente ao drama (discussões sobre família, capital e valores sociais), a alma do filme é a performance de Michael Barbieri Theo Taplitz. Os atores novatos fazem importar toda a responsabilidade que sobra aos seus personagens, e isso é o que revigora constantemente as nuances (e elipses) presentes.

‘Melhores Amigos’ é, sobretudo, um resgate da infância por uma história integralmente cúmplice dos desafios. Isso entrega a obra um caráter que convence pela organicidade de elementos simples, e sua principal ambição está nessa tranquilidade (mesmo que isso venha a gerar algumas inquietações). Não é necessário elaborar um turbilhão de momentos – quando uma história já é por si só um pequeno grande filme, eles acontecem sem parecer que estão acontecendo.  

Crítica: Melhores Amigos (2017)


Pequena grande história 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante