Pular para o conteúdo principal

Um Perfil para Dois (2017) | Humor, problema e solução

Um Perfil Para Dois : Foto Pierre Richard, Yaniss Lespert
Um Perfil Para Dois : Poster
Un Profil Pour Deux
(França/Alemanha/Bélgica)
Enquanto gênero de massa, a comédia costuma se jogar em abismos tão corriqueiros que a graça é sabotada por um oportunismo de reciclagem. O ineditismo temático e estrutural não é um requisito financeiramente importante para que esses filmes, de um modo geral, existam. Essa definição, por exemplo, se aplica na maior parte do que é produzido pelos EUA e até mesmo pelo Brasil. Assistido no Festival Varilux de Cinema Francês, é curioso perceber que 'Um Perfil para Dois' encontra desvios diante a quantidade de comédias presentes no evento, e repensar o emprego estereotipado do humor diante isso é uma discussão a ser levada adiante.

O destaque de sua história é a abordagem que não precisa nascer engraçada; e mesmo que a montagem incite logo no início uma ambientação muito apressada, seu sentimento geral deixa evidente as medições com a realidade. Não é como roteiros espalhafatosos que se orgulham de ser sempre inconsequentes, gostando da inviabilidade do que cria. O diretor e roteirista Stéphane Robelin, brincando também com a auto referência da profissão, importa-se em exergar seus acontecimentos. Não que isso seja magnífico, até porque toda a intenção tende a ir falhando até se entregar ao que, em tese, estaria se afastando. Mas é interessante sentir que há, nessa história curiosa, um humor bonito de se ver construído. 

Mesmo que já comece nessa brincadeira de ritmo morno, o filme não esconde que usa uma história “improvável” para um gancho específico. Afinal, falando explicitamente sobre o tempo e seus pesares, esse é um filme sobre solidão (interessante perceber que referente a todos os personagens em tela). Mas talvez exatamente por isso, Robelin perca um pouco a noção do problema que possui – isso porque a solução que encontra não é digna de receber os elogios que o roteiro do seu personagem recebe. A questão dramática é montada demais para que seu desfecho possa ser tão inconsciente de si; o sentimento envolvente que propõe ao curso de sua história não parece legítimo. Não que Robelin não possa ter a liberdade de transviar a relação com realidade, ainda mais ao deixar vestígios que o filme é também seu experimento de criação. Mas é uma mudança que não cabe no quase resumo que lhe resta.

Quanto a sua maior parte, a solidão dos personagens conflita com a realidade desses sentimentos que dizem ter. Concerne ao público supor os acontecimentos e, o mais interessante, criar expectativas para como essa bagunça pode ser concluída. O plano de Pierre é impensável, e ainda mais a adesão de Alex. São personagens que, embora em tempos diferentes, dividem mesmas inquietações sem desconfiarem disso. É nesse vinco que mora a justificativa de atenção; o envolvimento é imediato. Mesmo que Alex não seja tão expressivo (e aí fico na dúvida se Yaniss Lespert tem um bom trabalho ou não), esse elemento de sua caricatura como artista frustrado completa a ansiedade calada de seu parceiro de drama. 

Por querer também ser uma obra sedutora, a invasão de Flora (Fanny Valette) prepara o filme para a credibilidade de sua conclusão. E mesmo que não acabe de modo orgânico, a sensação de bem-estar é evocada em todas as plateias. Mas o filme poderia ser mais corajoso; propor algo novo sem quebrar os alicerces de uma trama que consegue ser pulsante até ali. 

Mas para além de todas essas inquietações, 'Um Perfil para Dois' é uma diversão que fica. Exclusivamente por seu tom precisamente humorado e, para o bem e para o mal, pela ponte que decidiu construir entre os problemas e a solução perfeita. Quase ingênuo, mas sabemos por denúncia da própria obra que há um propósito muito evidente: não perder ninguém.

Crítica: Um Perfil para Dois (2017)

Humor, problema e solução



/ Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2017 /

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante