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Dunkirk (2017) | Imersão suficiente

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Dunkirk (EUA/França/UK/Holanda)
Andrew Pulver, jornalista do The Guardian, não acanhou sua visão impressionada de ‘Dunkirk’, evocando ainda no título que Christopher Nolan finalmente estava à altura de Stanley Kubrick. Essa comparação tola se instalou nas discussões cinéfilas com a recepção aguada de 'Interestelar'. Mas o que Andrew talvez aponta de modo grosso é que, assim como Kubrick, Nolan não esconde sua vontade de fazer sua plateia viver. E dessa vontade, ‘Dunkirk’ é um exemplo invejável ao que o cinema moderno vem investindo atrás da reação imediata; sobretudo porque o protagonista dessa aventura é precisamente a ação e, por decisão frágil, os sentimentos que a tornam urgente.

A narração abre silenciosa e estranhamente mecânica, inserindo letreiros inesperados sobre o background da Operação Dínamo, trecho da II Guerra Mundial. Em menos de cinco minutos, esse silêncio é quebrado pelo som de uma ameaça invisível que apresenta um dos chefes dessa história: Hans Zimmer. O “tic-tac” que suspende uma tensão interminável revela o desafio de dispensar maiores preparações. A Nolan, finalmente é crucial agir, explicar os acontecimentos por eles mesmos, sentimento ainda mais acentuado pela ausência assustadora de diálogos. Mas isso não significa uma redenção ao seu costume mais questionado; ‘Dunkirk’ ainda esbanja o prazer do enigma. Dividindo a estrutura em três tempos (quase capítulos), a história volta a se mecanizar atrás do encaixe que precisa ser feito. A ideia, claro, é fazer as situações parecerem mais emergentes do que seriam sozinhas; aliás, essa história não parece interessante sem os elementos que a denuncia como fruto cinematográfico. Mas a diferença das catarses de Interestelar, Amnésia, O Grande TruqueA Origem, é que aqui essa assimilação precisa ser constante desde o início. Dessa vez, Nolan não é o mago que omite sua história para uma grande revelação que virá pela frente e mudará a percepção; essa costura entre tempos revela de imediato as tensões que, descobriríamos, sobressaem-se aos personagens. 

Quanto a materialização de seus dramas, não há ninguém minimamente interessante para amar, odiar, questionar ou projetar qualquer relação com uma história que transforma essas figuras em receptores que existem somente para validar todas as tensões – e para isso não precisamos saber seus nomes, o que enfrentaram antes desse momento ou que vida deixaram esperando. Em certo ponto, os personagens se tornam reféns de uma narrativa que explicitamente não precisa deles para o impacto que constrói. O olhar emocionado do comandante vivido por Kenneth Branagh não é sustentado por nenhuma tensão própria que tenhamos visto antes. Não há grito, desespero e sequer medo escancarado nas constantes reações, fazendo de ‘Dunkirk’ uma história que só existe no suspense. Não é por outro motivo que o “tic-tac” de Zimmer não para de martelar um instante sequer, elevando a angústia ao nível extremo sem que, necessariamente, precise se justificar na ação. A início incomoda pela brutalidade, mas assim que engata, a imersão é sentida sem que precisemos de suspiros – o personagem é o movimento que não cessa, o ritmo constante.

Compreendendo por esse lado, Nolan é perspicaz por conduzir os breves conflitos que surgem em meio ao clima catastrófico evocado por Zimmer. Em dos naufrágios, o enquadramento que verga junto ao navio em uma sequência sufocante de resgate é um dos exemplos do quão envolvido o filme está com a experiência. Ambição que se repete nos impressionantes takes aéreos e até mesmo nos mais frágeis que ocorrem na praia sob o olhar passivo de Tommy (vivido por Fionn Whitehead). 

Mesmo que compartilhe de pretensões rotineiras de seus filmes (até o desfecho é comum), essa ainda é uma experiência revigorante na filmografia de Christopher Nolan. E levando em consideração unicamente a imersão assombrosa que incita do primeiro ao último segundo, garantia também da projeção IMAX, ‘Dunkirk’ é uma experiência tão nova quanto 'O Resgate do Soldado Ryan' ou 'Além da Linha Vermelha' foram às suas épocas. Desde já, entra para o grupo dos importantes filmes de guerra; se não de todos os tempos, como se excedem os eufóricos, dessa década pelo menos.

Crítica: Dunkirk (2017)

Imersão suficiente


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