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A Torre Negra - Série Literária Completa (1982 - 2012) | Quando a fantasia encontra o terror

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The Dark Tower (EUA)
“O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás”, diz a primeira linha de O Pistoleiro (1982, 224 páginas), livro que inaugura a saga de Stephen King intitulada A Torre Negra, considerada pelo próprio autor como sua magnum opus. Mas a simplicidade de seu início em nada se assemelha à complexa história construída ao longo de 30 anos, com sete livros principais, um extra e outras dezenas de histórias convergentes a esse universo em outras obras do escritor norte-americano.

Surgida da vontade de King de fazer o seu “próprio O Senhor dos Anéis” e baseada em um poema de Robert Browning (Childe Roland à Torre Negra Chegou), a saga do pistoleiro Roland Deschain, espécie de cavaleiro da távola redonda do velho oeste, carrega uma infinidade de gêneros literários com novos elementos mitológicos que surgem a cada volume. Apesar de começar como um simples western (ainda que com ares pós-apocalípticos), acaba cedendo espaço à ficção científica, à fantasia e, claro, ao terror.

Talvez por isso, essa seja uma obra com pontos altos e baixos: a megalomania do autor, às vezes, é sua própria perdição. Por isso, é fácil perceber exageros no caminho de Roland até a lendária Torre Negra, local quase sagrado para a sua linhagem de guerreiros há muito tempo extintos e onde o anti-herói espera reverter o fim do chamado Mundo Médio, um lugar que “seguiu em frente”.

Em O Pistoleiro, temos apenas uma apresentação desse curioso local, onde podemos escutar uma versão alternativa de Hey, Jude sendo tocada por um pianista de saloon, e pouco conhecemos sobre o protagonista, além daquilo mostrado em pequenos trechos de seu passado como pré-adolescente na antiga baronia de Gilead. Apesar das poucas palavras e da atitude que dificilmente deixa transparecer seus sentimentos, as ações de Roland são o suficiente para que nos encantemos com esse personagem, mas, acima de tudo, tenhamos medo dele: eis aqui um homem capaz de qualquer coisa para alcançar seu objetivo.

A dureza e (quase) insensibilidade de Roland se repete na sequência, A Escolha dos Três (1987, 400 páginas), na qual há um foco muito maior em estabelecer paralelos entre o Mundo Médio e a Terra, sendo este um dos pontos fortes do livro. A dinâmica do pistoleiro com elementos e pessoas de nosso mundo rende bons capítulos, capazes até de nos fazer esboçar alguns sorrisos, diante da impossibilidade do protagonista de entender como a nossa vida do lado de cá funciona ou mesmo de saber que sanduíches não se chamam “popquins” e farmacêuticos não são bruxos.

Boa parte do frenetismo do segundo livro, causado pelo imediatismo demandado pela situação de perigo constante em que se encontram os personagens, se repete em As Terras Devastadas (1991, 512 páginas), talvez o segundo melhor momento da série. Neste único livro, somos presenteados com angústia, amor, arrependimento, violência e, acreditem ou não, rock and roll. Há também toques de nazismo, misticismo, histórias infantis, viagens entre realidades paralelas e inteligências artificiais dotadas de sarcasmo. Não, King não tem medo de misturar tantos ingredientes no liquidificador. E isso foi só um resumo.

Até então, o autor parecia ser perfeitamente capaz de escrever histórias de ação dotadas das maiores improbabilidades que pudessem vir à sua cabeça, criando a tônica do que viria a ser o seu mais importante trabalho. Mas é no momento em que ele tira o pé do acelerador e põe seus personagens para ouvir uma história do passado, em torno de uma fogueira noturna, que A Torre Negra chega em seu melhor volume, Mago e Vidro (1997, 787 páginas).

Apesar das muitas páginas, a fluidez da história torna esse o livro mais tragável de toda a saga. No momento em que Roland inicia o trágico conto de sua primeira missão como pistoleiro aos 14 anos, só conseguimos parar quando finalmente entendemos o que o implacável ka (“destino”, na língua de Gilead) pode ter colocado no caminho do jovem para que ele se tornasse a impenetrável rocha de muitos anos depois. O gosto amargo na boca e os sentimentos de tristeza e incredulidade são inevitáveis ao fim do volume.

E quando vemos o pistoleiro aceitando a ideia de que pode ser novamente parte de um ka-tet (grupo de companheiros ligados pelo destino) e ser capaz de amar, o medo dá lugar à empatia. Sim, ainda tememos pela vida de seus companheiros, que correm o risco de ser sacrificados se isso deixar o pistoleiro mais perto de sua tão sonhada Torre, mas aos poucos vamos nos convencendo de que sua obsessão pode dar lugar a sentimentos mais altruístas, como a vontade de proteger os seus acima de qualquer coisa.

Lobos de Calla (2003, 714 páginas), por sua vez, traz de volta o bom frenetismo de momentos anteriores e impõe novas rupturas e desgastes entre os personagens, ao mesmo tempo nos dando a sensação de impasses insolucionáveis. Sabemos que, na reta final até a Torre, o caminho será ainda mais árduo e devemos estar prontos. Mas nada pode nos preparar para a extravagância expressa nas últimas páginas da saga.

Talvez pela pressa em terminar sua infindável obra após o atropelamento quase fatal de 1999, King não tece com o mesmo esmero as linhas de Canção de Susannah (2004, 432 páginas) e, finalmente, A Torre Negra (2004, 845 páginas). Os excessos estão cada vez mais evidentes e o autor chega ao absurdo de transformar a saga em uma vitrine de sua própria bibliografia, com citações a livros convergentes ao mundo de Roland dentro da própria história com o puro intuito de lembrar aos leitores de passar na livraria mais próxima.

A mania de grandeza do autor está presente mesmo nos momentos finais da saga, quando todo o universo já deveria estar plenamente estabelecido, mas, ao invés disso, ainda precisamos lidar com novos conceitos e termos apresentados de última hora. É confuso quando personagens passam a falar com naturalidade de coisas que até então desconheciam, usando uma desculpa ineficiente: “Não sei como isso; apenas sei”.

As falhas do volume final, porém, não fazem deste um livro desprovido de emoção. Não são poucas as passagens com potencial de arrancar lágrimas do leitor investido na história de Roland, um homem cuja tristeza da vida atual só não se iguala àquela da vida passada, e de seus companheiros, conectados a alguém eficiente em lhes trazer felicidade e ruína com a mesma intensidade.

Com um desfecho que, como outros bons finais, gera discussões sobre seu significado e rende as mais inusitadas teorias (apesar de serem um tanto claras as reais intenções do autor ao escrever as palavras finais da obra), A Torre Negra pode não ser o melhor trabalho de King, como defendido por muitos, mas tem, certamente, o necessário para cativar um leitor disposto a se abrir a uma história desprendida de quaisquer amarras. A viagem até o campo de rosas onde se encontra o destino de Roland é longa e descrita em páginas muitas vezes cansativas. Os bons momentos da jornada, porém, se sobressaem e tornam esta uma leitura válida para qualquer amante de literatura fantástica. Ou de ficção científica. Ou de western. Ou de terror.

Crítica: A Torre Negra - Série Literária Completa (1982 - 2012)

Quando a fantasia encontra o terror

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