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Atômica (2017) | Atomic Pop "Bond"

Por ser um referencial feminista moderno, a Furiosa de ‘Mad Max’ é evocada na divulgação de ‘Atômica’, nova ação estrelada (e produzida) por Charlize Theron. A menção está disfarçada em um dos pôsteres: “Mais furiosa do que nunca”. Embora pareça um apetrecho de marketing alheio ao filme, isso faz lembrar do que brilha em sua essência: a figura de uma mulher imponente que jamais cogita a falha diante qualquer missão. 

É factual que suas desenvolturas (da personagem Lorraine e de Theron) sejam responsáveis por sustentar tudo o que a câmera vertiginosa de David Leitch vende como uma ação hollywoodiana. Mas "Atômica" quer ser mais do que a aventura elétrica sobre uma mulher imbatível, e é por aí que desanda brevemente como história a ser contada. 

A abertura texturizada como videoclipe explicita uma estilização extrema (algo como as “cores neon” vendidas na publicidade de “Esquadrão Suicida”), dando destaque a um tom de azul tão burlesco que inclusive lembra a plástica das cenas noturnas no filme de George Miller. Essa visão quase unicamente “pop” é acentuada pela trilha (recordo imediatamente que o trailer era coordenado por “Sweet Dreams”), e sabemos desde então que a ação dessa história é daquelas que precisa animar. 

A exemplo das peripécias de Edgar Wright, a concepção de seus principais momentos nervosos é potencializada por interferências precisamente cinematográficas. Durante a execução que acontece a sangue frio logo no início, a música que de repente pulsa o espectador tocava dentro do carro do assassino. David segue estruturas semelhantes de abordagem durante a obra como justificativas para que ação faça sentido além da manipulação do cinema, para que pareça real, a glorificação da violência como diversão. Não lhe preocupa se em certo ponto o exagero estético-sonoro reduz o poder do truque, mas felizmente sobra muita energia dessa injeção.
Lorraine, antes de uma experiente lutadora e atiradora, é uma espiã clássica. Precisa encontrar o inimigo que está em posse de uma lista daquelas “ultra-mega-sigilosa” escondida em um objeto que pelo menos não é um pendrive. Ou seja, não há nada de especial nesse esqueleto, excedendo o background que insere o conflito na Berlim do fim da década de 80. E talvez seja tudo por se interessar na digestão rápida dos acontecimentos, apostando num jogo de xadrez onde os personagens são interessantes de perto e ineficazes de longe. 

O resultado são “reviravoltas” no roteiro (facilitando resoluções quando convém) e até mesmo na disposição de um protagonismo que vende outras empatias além de Lorraine; aí entra James McAvoy que ergue a obra com um rigor visível até se tornar descartável. Mas relativizando o modo como essa história é recepcionada dentro dos clichês, o que ela realmente quer ser é algo enérgico, espontâneo, comovente, popular – e como uma “micro” experiência de imersão, funciona muito bem.

Dentre os vários momentos arrepiantes, destaco uma que apesar de acontecer em um espaço pequeno (hall de escadas) é capaz de revigorar o conceito onipotente do herói. As ações hollywoodianas, ainda mais as que se intitulam ‘modernas’, vendem com maestria essa figura do homem musculoso que jamais se fere, e, quando se fere, faz parte do conceito de resistência. Com poucas ressalvas, é perceptível que não exista qualquer fisicalidade presente na atuação desses corpos, fazendo com que ajam sem a consequência do que os significa ainda ser humano – não importa quantos socos e tiros o personagem de Liam Neeson levará durante os três filmes da franquia ‘Busca Implacável’.

Lorraine, a Bond em questão, também não é a figura perfeita do que poderíamos comparar com a realidade (e o filme nem tem essa obrigação), mas é muito mais tangível que uma penca de personagens masculinos da indústria. Na mesma sequência do hall, sua performance arrebatadora é guiada por uma direção que ousa ao extremo da própria capacidade de registro – conduzindo uma montagem que ultrapassa o didatismo e que esconde muito bem os cortes de um plano sequência invejável a qualquer produto de ação.

Crítica: Atômica (2017)

Atomic Pop "Bond"


No mais, “Atômica” é uma aventura que tem os nervos dos clichês borrados pela energia visceral de uma protagonista que sabe ser autêntica dentro de uma história sobre intrigas políticas. Até mesmo a velha estrutura “presente narra o passado” não incomoda (apesar de que nesses momentos as infinitas tragadas de Charlize façam lembrar as retiradas de óculos de Amy Adams em ‘Animais Noturnos’). E é claro que alguns alicerces da trama de espionagem se sobressaem ao que se espera do constante processo de relatos e estratégias, mas principalmente por um dos lados desse jogo possuir alguém tão temível. Já conhecíamos esse personagem inquebrável, “ineganável” e de sobrenome “eficiência máxima”, mas ele nem era mulher, e nem era tão pulsante como Charlize Theron. 

+ Animais Noturnos (2016) | O horror das sensações

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