Pular para o conteúdo principal

Victoria e Abdul (2017) | Acerto em abordar a intolerância

Judi Dench é uma das damas britânicas de maior influência no cinema euro-estadunidense. Dona uma extensa e premiada filmografia, que inclui um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1999 por “Shakespeare Apaixonado”, a atriz tem como uma de suas mais conhecidas interpretações a do longa-metragem “Mrs Brown” (1997), onde encarna a histórica Rainha Victoria. Consagrada então como uma favorita dos britânicos para interpretar figuras de poder - feito também atingido por Helen Mirren com “A Rainha” (2006) -, a atriz volta a interpretar a monarca em “Victoria & Abdul - O Confidente da Rainha” (2017), filme produzido pela BBC que reafirma sua frutífera parceria com o cineasta Stephen Frears, explorada anteriormente no comovente drama biográfico “Philomena” (2013).

Este gênero, inclusive, parece ser um dos que Frears é melhor sucedido; além do filme de 2013, ele também está por trás do já aqui citado “A Rainha” e, mais recentemente, da comédia dramática “Florence - Quem é Essa Mulher?” (2016). Em “Victoria & Abdul”, a história da vez é a de Abdul Karim (Ali Fazal), jovem muçulmano da Índia que conquistou em 1887 uma polêmica amizade com a tirana monarca durante as comemorações de seu Jubileu de Ouro. Tudo isto, claro, é representado de forma romanceada pelo roteiro, que não esconde ter tomado liberdades criativas sob referências factuais.

Crítica: Victoria e Abdul (2017)

Acerto em abordar a intolerância


Iniciando como um típico feel-good movie britânico de época, a produção mescla tons cômicos com uma posterior (e previsível) carga dramática, tomando para si uma atemporal discussão acerca de intolerância - que neste caso é apresentada sob todos os âmbitos, principalmente quanto ao racial, social, cultural e religioso. Talvez a escolha de representação deste tema recorrente, ainda mais em contraponto com o pesado tradicionalismo europeu, seja um importante diferencial, visto que o restante do filme opta por apresentar uma Victoria de paixões platônicas e que sente-se presa por suas atividades da realeza - aspectos que, embora não recorrentes nas representações da Rainha, são típicos de produções do mesmo eixo.

Entregando-se à idade, Dench faz do filme seu playground. Apresentando muitas nuances, que trazem desde aspectos vulneráveis à típica simpatia da atriz e à áspera e firme soberania que o papel requer, há muito brilho em sua atuação aqui, mesmo que sua Rainha, às vezes comicamente apaixonada, seja mais carismática do que era a sisuda persona da vida real. As outras performances, no entanto, são consequentemente ofuscadas, trazendo muitas interpretações bidimensionais, mesmo de Fazal, que divide aproximadamente o mesmo tempo de tela que sua co-protagonista.


Tecnicamente, um bom destaque vai para a fotografia do filme, que fica a cargo de Danny Cohen, com quem Frears já havia trabalhado em “Florence”. Aqui, ele assume a responsabilidade de apresentar ao espectador as belas paisagens de países constituintes da União Europeia (a equipe de filmagens teve acesso ao suntuoso palácio de Windsor), aproveitando-se também de locações na Índia e na Itália, o que pode deleitar alguns espectadores.


“Victoria & Abdul” segue uma estratégia narrativa que tem consolidado-se nos últimos anos, visto que busca agradar uma parcela específica de fiéis espectadores, o que de fato consegue. Finda por ser uma história interessante, contada com bastante coração e simpatia, e que apresenta-se também como moderna ao escolher discutir sobre respeito à cultura diferente. Surpreende positivamente, para a felicidade de quem aprecia contos do tipo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante