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Lady Bird: A Hora de Voar (2018) | O cinema sincero

Imagem relacionadaNão há alguém melhor para retratar o amadurecimento feminino se não uma mulher. Greta Gerwig adaptou esse tema para seu olhar, nos entregando um filme sobre relações, descobertas e juventude. Lady Bird: A Hora de Voar é sincero e causa um sentimento de identificação muito fácil ao retratar pontos principais de uma transição da adolescência para a vida adulta. 

A cidade de Sacramento se torna quase um personagem pela forma que lhe é referida, com muitos planos destinados a exibi-la. Christine “Lady Bird” (Saiorse Ronan) está no último ano de seu colegial e seu sonho é ser aceita numa universidade longe da sua cidade-natal. Greta, que assina a direção e o roteiro, se utiliza desse plot para construir camadas em seus personagens, dos quais parece ter tanta propriedade. O uso da câmera parada e dos enquadramentos centrais optados pela diretora mostra como ela se sente à vontade naquela posição. O pertencimento causado por Lady Bird: A Hora de Voar ecoou primeiro em sua criadora, não à toa Greta nasceu em Sacramento. Haveria um pouco de autobiografia ali? 

Na verdade, há quem diga que todo filme é, de alguma forma, autobiográfico. No caso de Lady Bird, uma rápida pesquisa sobre sua biografia e a semelhança com o enredo é mais que apenas a cidade de Sacramento. A profissão dos pais de Greta e dos pais de Christine são as mesmas, e ambas estudaram numa escola católica.  Isso justifica, portanto, a propriedade que Greta sente ao desenvolver seus personagens, sobretudo na relação de mãe e filha, na qual o filme melhor se sustenta. 

O primeiro plano já exibe Marion (Laurie MetCalf) e Lady Bird frente a frente, dormindo de forma serena. No plano seguinte, já começam uma discussão e um conflito que se perdura ao longo do filme. Esse convívio fundado no conflito e no entendimento define, em apenas um diálogo, a personalidade das personagens. Personalidades estas que se mantém e atenuam no longa. A figura da mulher madura e da mulher em amadurecimento são colocadas em posições agradáveis e humoradas. Por exemplo, a cena em que as duas estão escolhendo roupas enquanto discutem, mas a mãe conhece o gosto da filha e, naquele momento, as duas se entendem como ninguém. 

O relacionamento de mãe e filha por si só garante uma conexão entre as personagens. Mas a forma que Greta construiu narrativamente ressalta isso não somente pelo roteiro, mas por sua condução de câmera, com closes nos rostos das atrizes. E mesmo com essa profundidade na relação das personagens, Lady Bird aborda o fim da adolescência, bem como as descobertas e decepções trazidas com a mesma. Primeira desilusão amorosa, a preocupação com o vestibular, primeiro sexo e pequenos momentos como estes engradecem o filme. 

O uso de símbolos para enfatizar são certeiros e desenvolvem seus personagens. Lady Bird com seu braço quebrado (ou poderíamos referir como asa?) durante quase todo o filme revela como a protagonista está, literalmente, impedida de “voar” e presa à sua realidade. Até o fato de ela não conseguir tirar sua carteira de motorista é uma forma de denotar sua dependência em permanecer em Sacramento. Os momentos de rebeldia de Lady Bird também fortalecem a imagem da adolescente que quer chamar atenção. A própria recusa do nome e a mudança para Lady Bird é um caso. Mas que graça tem a adolescência se não tiver rebeldia? Aliás, poderia um existir sem o outro?

E para transmitir toda profundidade da história de Gerwig, Saoirse realiza uma excelente performance, ainda que sem muitos desafios, configurando uma Lady Bird ingênua, mas também esperta e atrevida, sendo muito fácil de se identificar. E sua principal parceira de tela, Metcalf, que traz todo estresse e dificuldade em ser mãe de uma adolescente. Duas figuras que se repetem com frequência nas famílias. 

Lady Bird: A Hora de Voar é um filme que traz na simplicidade e na verossimilhança uma das maiores virtudes do cinema: identificação. É um privilégio para a obra e para o público se verem retratados de forma tão sensível e real em uma indústria cada vez mais fantasiosa. Greta percebeu isso e mostra que ela, assim como todas as mulheres, precisam ser Ladies Bird, alcançar o seu voo e conquistar o mundo. 

Crítica:  Lady Bird (2018)

O cinema sincero

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