Pular para o conteúdo principal

Aniquilação: os dois lados do contato

Há pouco mais de quatro anos, Alex Garland era um nome pouco comentado nas rodas de cinema. Roteirizou e produziu Não Me Abandone Jamais e Dredd, ficções científicas bem distintas, até chegar em Ex_Machina, sua obra-prima. Com cara de filme independente, Garland ultrapassou muitas fronteiras com a revolta de uma vida robótica contemplada quase como força alienígena, e é nesse último conjunto de ideias que Aniquilação propõe perguntas profundas apesar de mal maquiadas. Os caminhos dessa aventura partem de Contato (1997) e vão parar em Stalker (1979), porque sensivelmente falam da mesma coisa.

Aniquilação: os dois lados do contato

Novo filme de Alex Garland é a promessa de um novo raciocínio ao gênero da ficção científica


Lena (Natalie Portman) é uma das voluntárias a invadir a Área X, local que protege alguma fonte de energia ainda não compreendida pela ciência "norte-americana". Tudo que vai, jamais retorna. Clássico. Mas o que faz disso uma ideia sedutora é a razão pelo não-retorno, que vai sendo dita lentamente numa história que ainda consegue assustar quando precisa nos comparar às dúvidas das personagens. A pergunta final induzida a Lena é tão surpreendente apesar de óbvia, que a troca de informações entre o filme e o espectador se concretiza. 

Como se fosse um Stalker em versão “20% cacau”, Aniquilação duvida da nossa frágil capacidade de entendimento e, assim como na obra russa, sobre o quão humana é a própria hierarquização de que há uma força superior sustentada na sensação de desconhecimento, uma razão que é falha, sem referencial, fraca. O olhar de Lena à luz do Farol é o choro de Dave no túnel de 2001: Uma Odisseia no Espaço, é o olhar aflito da Dra. Banks em A Chegada, é a pergunta pelo nada. Mas a reflexão da adaptação de Garland traz sentimentos que conseguem ser novos mesmo diante esses pilares do gênero, porque em certo ponto da obra (e pode até demorar muito) não há diferença entre os lados desse contato; talvez seja a primeira vez no cinema contemporâneo onde não importam as pequenas perguntas da ciência: “Qual o objetivo?”, “O que é?”. Partindo, portanto, à perguntas que podem soar qualquer coisa se a jornada não for bem orquestrada: “Quem é você?” Ou mais distante, “Quem te fez ser você?”.

Demora para que possamos nos acostumar com o raciocínio curto que Lena explora aos oficiais com seu retorno. Só quando finalmente passamos pela mesma digestão do contato é que entendemos concretamente todos os “não sei”, dados como respostas aterradoras aos ávidos pelo conhecimento. É uma felicidade, porém, que os caminhos entregues a essa ausência não sejam a solidão ou a mera exposição poética, afinal, estamos falando de um filme falhamente vendido como “Original Netflix”. Apesar desses questionamentos, é um filme compreensível em todas suas instâncias, e por isso sabe deixar perguntas após explicar tudo. 

É uma pena detectar que Aniquilação tenha um dos piores trabalhos de efeito visual dos últimos anos, ainda mais depois que Ex_Machina fez história ao vencer o Oscar respectivo ao invés de Mad Max ou Star Wars. Como na ficção científica que se compromete a usurpar a realidade isso se torna um elemento crucial, o incômodo começa cedo - até mesmo as sequências em “chroma key” custam a convencer. Mas é interessante que isso não se torne uma frustração quando a trama vai engatando, principalmente porque a defesa de contemplar algo novo vai conquistando. O desfecho, por exemplo, é tão assustador que isso não importa. 

As confusões de realidade por qual passa a equipe de expedicionárias, são espelhadas por um roteiro que particiona as memórias em função da montagem, imediatamente como no filme de Villeneuve, uma trilha sonora surtante (em especial na sequência final), e por um jogo de atuações que precisam existir juntas. Quando lhe perguntam sobre a possibilidade da experiência não ter existido, Lena descarta porque todas viam as mesmas coisas. Sob essa demanda, o entrelaço é duvidoso porque o filme se omite a dar profundidade real às cinco mulheres que oscilam entre a figuração e a importância protagonista. É como se a realidade não importasse diante do que vamos descobrir, e isso até encontra algum tipo de sustentabilidade quando a inteligência humana é reduzida a zero.

Aniquilação não me parece um estudo tão profundo quanto as respostas que promove, mas sabe se conter exatamente a isso. Uma obra que não precisa ter a dimensão de 2001 ou Stalker, por exemplo, para fazer pensar sobre o modo de existência da vida que conhecemos, e para questionar os limites da realidade que, talvez seja esse o ponto, não existe. No exato momento em que os dois lados do contato não compreendem o conceito "socio-filosófico" e físico da vida, como posso pensar que minha existência pertence a mim mesmo? A violência dos macacos de Stanley Kubrick, por exemplo, veio de fora.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017): com divina retribuição, Ele virá para salvá-los

Com uma atmosfera que remete a Iluminado , com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick , planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve ( Colin Farrel ), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.  O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)  Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin ( Barry Keoghan ), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imag

Homem de Ferro (2008) | O grande primeiro passo da Marvel Studios

Robert Downey Jr. sempre foi um ator talentoso, diferentemente do que muitos apontam. Apesar de seus encontros com a polícia em função das drogas, o astro sobreviveu a um intenso mergulho na dependência química e conseguiu dar a volta por cima naquele que, o próprio diretor Jon Favreau julga como um filme independente do gênero de super-herói. Sem contar com o modelo físico e com o caráter que o justificaria ao posto de protagonista, Tony Stark foi um acerto nos cinemas tão corajoso e sagaz quanto os quadrinhos do herói, criados lá em 1963 por Jack Kirby e Stan Lee . Na trama, o diretor Favreau narra o surgimento do universo Marvel a partir de um violento incidente na vida do bilionário Tony Stark, que, durante uma viagem ao Afeganistão (substituindo o Vietnã dos quadrinhos) para apresentar um novo armamento aos militares, é sequestrado por terroristas locais. Forçado a construir sua nova invenção sob pena de ser morto, Stark cria uma poderosa armadura para se libertar da cav

Paratodos (2016) | documentário necessário e inspirador

Paratodos (Brasil) À primeira vista, o documentário "Paratodos" (2016), dirigido por Marcelo Mesquita , pode parecer um daqueles especiais televisivos onde indivíduos com deficiências físicas contam suas histórias de superação. No entanto, ainda em seus primeiros minutos, percebemos a grande ambição do filme que, dividido em atos, um para cada modalidade esportiva, apresenta bem mais do que atletas paralímpicos vencendo dificuldades.  Rodado desde 2013, o documentário que, além do Brasil, traz cenas gravadas em outros países, esforça-se para sair do comum e apresenta seus personagens de forma a valorizar não só suas conquistas, mas revelar os estressantes bastidores de treinos e a rotina dos competidores paralímpicos, que muitas vezes é ainda mais complicada do que a de atletas regulares. A proposta é bastante importante para elevar a visibilidade destes atletas em nosso País, principalmente às vésperas de Olimpíadas, visto que seus feitos costumam ser bastante