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Retrato de uma Jovem em Chamas: Ser livre é estar sozinha?

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 por Lilian Oliveira, especial para o Quarto Ato 

Com a premissa de pintar um retrato a partir da observação de alguém, o francês Retrato de uma Jovem em Chamas traz à tela a sensibilidade do olhar feminino. Escrito e dirigido por uma mulher, Céline Sciamma, faz uso de planos fechados para evidenciar as características físicas das personagens, os seus gestos e é aí onde está toda a poesia do filme. Durante as duas horas de narrativa, apenas poucos minutos contam com a presença de homens na tela e eles são sempre recursos secundários. É uma narrativa puramente feminina. A trama é vivida por quatro mulheres: a mãe (Valeria Golino) que encomenda o retrato, sua filha Héloïse (Adèle Haenel), a pintora Marianne (Noémie Merlant) e a criada Sophie (Luàna Bajrami).

Retrato de uma Jovem em Chamas: Ser livre é estar sozinha?

Identificação é o que tem de mais potente nessa obra


Marianne observa atenta cada detalhe de Héloïse para desenhá-la e aprende como ela reage a sentimentos distintos. É a representação fiel do quanto a conhece em tão pouco tempo. Tudo na estória contribui para a proximidade das personagens: mulheres sozinhas num local distante vivendo sem grandes obrigações, à exceção da obrigação de Marianne: terminar o quadro. Assim, tanto Marianne e Héloïse se aproximam, quanto Sophie também tem nelas confidentes. A intimidade entre essas três mulheres vai crescendo conforme vão dividindo experiências tão femininas, como as dores das cólicas. Essa e outras situações trazem para a narrativa um pouco de realidade e gera em nós mulheres identificação. Identificação é o que tem de mais potente nessa obra. Construída majoritariamente por mulheres, não poderia ser de outra forma.

A presença de metáforas visuais também é um ponto forte. Héloïse não só arde em paixão como vamos ver ao longo da narrativa, como literalmente tem fogo em seu vestido em determinada cena. Outro aspecto que vale falar é como a imagem está posta na tela. Há uma valorização de luzes e sombras, visto que é essa a base para a arte da pintura e posteriormente, da fotografia. E a forma como os planos são dispostos, os closes nos olhares, os detalhes do quadro, o tempo contido na montagem, aguçam a nossa sensibilidade. E nesse tempo tão próprio somos conduzidos pelo encantamento dessas jovens. 

Nos diálogos com Marianne, Héloïse chama a atenção para o fato de não poder escolher seu futuro, visto que está prometida a um homem que nem conhece em contraponto ao fato de Marianne dizer que não sabe se quer casar. Marianne tenta convencê-la de que será algo bom, mesmo sendo evidente que nem ela acredita. Héloïse diz que preferia o convento pois ao menos lá havia igualdade (eram todas mulheres). E em dado momento Héloïse questiona: Ser livre é estar sozinha? O que gera em nós essa reflexão de que por vezes, nós mulheres só ficamos totalmente à vontade na presença de outras mulheres que nos compreendem bem ou a sós. E o filme evidencia isso. Talvez porque a sós, possamos ser quem verdadeiramente somos, sem julgamentos. É bonito ver e se identificar com essas personagens. É bonito perceber o quanto há de poesia em ser mulher.



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