Pular para o conteúdo principal

Haider (2014) | A qualidade se choca com o estereótipo


Quando me foi recomendado um filme de Bollywood, confesso que mantive um pé atrás até o início do filme, isso por causa da imensa segregação cinematográfica desses mercados  de nomes tão similares. Essa segregação intensifica a criação de alguns estereótipos, como a narrativa musical, plágios toscos da nossa indústria ocidental e melodramas novelescos, que mantiveram meu pé onde esteve até que decidi ir um pouco mais a fundo e entender que, semelhante a Hollywood, toda regra tem exceções.

Desabafo feito, saltemos para 2003, quando o diretor indiano Vishal Bhardwaj deu início ao que seria uma trilogia de adaptações de Shakespeare começando com Maqbool (Macbeth), dando continuidade quatro anos depois com Omkara (Otelo) e finalizando-a com Haider (Hamlet), que estreou no Festival Internacional de Cinema de Busan de 2014. Como adaptação, Haider é moderado; Não tem tantas modificações a ponto de ficar quase imperceptível, como é o caso de Rei Leão (também adaptação de Hamlet), nem deixa-o idêntico a obra original, a ponto de ter seu sentido questionável, como foi o caso do remake de Psicose de Gus Van Sant em 1998.

Somos primeiramente, relocados da Dinamarca de Shakespeare para o meio do conflito da Caxemira, decisão que trouxe um peso político e uma atmosfera de guerra que ajudou a construir a tensão em alguns momentos. Com essa decisão, o diretor conseguiu também desenvolver melhor o personagem do pai de Haider, não só dando a ele mais tempo de tela para seu drama se desenvolver, como estabelecendo a genial sacada do seu "fantasma" (assista para entender). No decorrer, surge o primor da atuação de Shahid Kapoor, quando o protagonista vai assumindo um peso maior pelas lutas internas com sua sanidade dúbia e crescente desenvolvimento de sua voz política, indo de estudante submisso à revoltado, convicto e... louco.

Talvez, o maior erro do filme, seja algo que vem condenando a estereótipos a maioria dos filmes indianos, o gênero Masala, que algumas vezes pode funcionar, se bem trabalhado como em "Quem Quer Ser Um Milionário?" de Danny Boyle. O Masala é, na verdade, a união de praticamente todos os gêneros em um só filme,  nesse caso, gerando uma confusão temática e, junto com a montagem, causando algumas das piores sequências do filme, como o romance de Haider e o ridículo alívio cômico dos irmãos Salman, substitutos de Rosencrantz e Guildenstern do original.

Apesar de tudo,  Bhardwaj é admirável por sua ousadia e maleabilidade adaptativa, bem como o desenvolvimento de suas reflexões e críticas que conversam com a tragédia original. Espero, assim, que a verdadeira qualidade se sobreponha a privação dos mercados para que possamos apreciar a sétima arte como um todo, sem nenhuma barreira.


Comentários

Postar um comentário

Deixe sua opinião!

Postagens mais visitadas deste blog

Leonard Nimoy, eterno Spock, morre aos 83 anos

A magia que um personagem nos passa, quando sincera, é algo admirável. Principalmente quando o ator fica anos trabalhando com a mesma figura, cuidando com carinho e respeitando os fãs que tanto o amam também. E, assim foi Leonard Nimoy . O senhor Spock de Jornada nas Estrelas , que faleceu ontem (27/02) por causa de uma doença pulmonar, aos 83 anos. O ator, diretor, escritor, fotógrafo e músico deixou um legado imenso para nós. E isso é algo que ele sempre tratou com muita paixão: a arte. A arte de poder fazer mais arte. E com um primor de ser uma boa pessoa e querida por milhares. E por fim, a vida atrapalhou tal arte. Não o eternizou como o seu personagem. Mas apenas na vida, pois no coração e na memória de todos, o querido Nimoy vai permanecer perpétuo nessa jornada. Um adeus e um obrigado, senhor Leonard Nimoy, de Vulcano. Comece agora, sua nova vida longa e próspera, onde quer que esteja.

Mad Max (1979) | O cinema australiano servindo de influência

Para uma década em que blockbusters precisavam ter muitos efeitos visuais e grandes atros do momento, como em Alien - O Oitavo Passagéiro , Star Wars , Star Trek  etc, George Miller teve sorte e um roteiro preciso ao provar que pode se fazer filme com pouco dinheiro e com um elenco de loucos.   Mad Max , de 1979, filme australiano com uma pegada  exploitation,  western e de filmes B, mas que conseguiu ser a estrada para muitos filmes de ação de Hollywood atualmente.   Miller, dirigiu, escreveu e conseguiu com um orçamento de 400 mil filmar um dos mais rentáveis do planeta. O custo do filme foi curto e assim, tudo foi pensado no roteiro e nos diálogos que o filme ia exibir. Como os textos sobre o futuro, humanidade e seu fim, e o Max do título. O filme é rodado com o Mel Gibson sendo o centro. Seus diálogos curtos demonstram o homem da época, e com uma apologia ao homem do futuro. Uma pessoa deformada pelas perdas e com a vontade de ter aquilo que não pode ter, e que resulta no

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014) | Peter Jackson cumpre o que prometeu

    Não vamos negar que a trilogia O Hobbit possui grandes problemas. O que é uma pena, já que a trilogia anterior ( O Senhor dos Anéis ) não tem falha alguma. Contudo, o que tinha de errado em Uma Jornada Inesperada e Desolação de Smaug , o diretor Peter Jackson desfaz nessa última parte. O que é ótimo para os espectadores e crível para os adoradores da saga da terra-média de longa data.     O filme apresenta problemas diversos, por exemplo, um clímax logo na primeira cena (se é que você me entende) e um personagem que não consegue momento algum ser engraçado. Falhas como essas prejudicam o filme como todo. O roteiro, por ser o mais curto dos três, precisava de mais tempo em tela, e dessa forma, cenas e personagens sem carisma são usados repetidas vezes e com uma insistência sem ter porquês. Mas, em contra partida, O Hobbit e a Batalha dos Cinco Exércitos consegue ser mais direto, objetivo e simples que seus antecessores, que são longos e cheios de casos como citei. E o real mo