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Zootopia (2016) | Política, investigação e risadas


Zootopia (EUA)
Utilizar animais antropomórficos para contar histórias é uma prática que existe há muitos anos. Esse método fabular, infalível para atrair crianças, sempre foi bastante utilizado por estúdios de animação, visto que pode arrancar boas piadas, explorar um visual interessante e alavancar bilheterias. A Walt Disney Animation Studios, por exemplo, já havia utilizado-se desse recurso várias vezes, como em "Robin Hood" (1973) e "O Galinho Chicken Little" (2005), sua primeira animação realizada inteiramente em computação gráfica. Sabendo disso, "Zootopia" (2016), filme de Byron Howard ("Enrolados", 2010) e Rich Moore ("Detona Ralph", 2012), aparentemente não trazia nada de inovador. Qual seria seu propósito, então?

A trama do longa-metragem parte do questionamento "e se os humanos nunca tivessem existido?" e traz como protagonista Judy Hopps (Mônica Iozzi, na versão dublada), uma coelha determinada a tornar-se oficial de polícia na grande Zootopia, uma metrópole moderna onde todos os mamíferos, presas e predadores, convivem em paz. Para demonstrar seu valor, ela deve solucionar um caso de desaparecimento, onde precisará lidar com a parceria de uma astuta e golpista raposa macho chamada Nick Wilde (voz de Rodrigo Lombardi). 

As sequências iniciais do filme não surpreendem muito: seguindo os bons clichês, somos introduzidos à infância de Judy, onde sua família interiorana leva uma vida pacata cultivando cenouras e os pais não incentivam seus sonhos "absurdos" de integrar a polícia. No entanto, a persistência e o esforço da personagem permitem que ela se forme na área e siga para a tão famosa cidade onde "qualquer um pode ser o que quiser". E é aí, quando o público chega à colorida Zootopia, que o longa-metragem ganha um novo sentido.

A metáfora construída em torno dessa metrópole tão utópica é a de adaptação à diversidade. Animais de todas as espécies e diferentes comportamentos logo surgem como alusão à pluralidade étnica, de gênero e de diversidade sexual, fator tão presente nos centros urbanos. Essa comparação à nossa realidade torna-se ainda mais evidente com o uso da tecnologia pós-moderna, que marca presença de forma tão similar quanto em nosso cotidiano (não se assuste se algum animal tiver um celular igual ao seu).

É nesse verdadeiro retrato da sociedade que nos deparamos, ao longo das cenas, com situações de preconceito, machismo, medo, abuso de autoridade e polêmicas sequências envolvendo drogas e nudez. A trajetória de Judy Hopps não está, afinal, tão longe da realidade - conheço, por exemplo, mulheres que sofrem preconceito na escolha de carreira tal qual a personagem. O estímulo à reflexão é o principal acerto de Zootopia: em tempos de tanta intolerância, é importante incitar aos pequenos (e aos adultos) a necessidade de respeito às diferenças e à empatia.

O roteiro da animação, principalmente após o segundo ato, torna-se denso ao engatar em um processo de investigação que não subestima o público; coisa que a Disney não realiza há tempos. A ordem dos fatos - e as sequências de ação - são organizadas de maneira instigante, prendendo os espectadores. O visual, por sua vez, traz cenários tão criativos que parecem concept arts, explorando elegantemente texturas e iluminação.

O humor em Zootopia é bastante equilibrado. Apesar das previsíveis piadas envolvendo comportamento animal, a maior parte das risadas advém de referências à cultura pop, que passeiam desde "O Poderoso Chefão" (1972) e "Breaking Bad" (2008-2013) à outras animações do estúdio, em uma enxurrada de easter eggs que incluem produções recentes como "Frozen" (2013) e "Operação Big Hero" (2014), clássicos como "Mogli - O Menino Lobo" (1967) e "Bambi" (1942), e até mesmo futuros lançamentos, tais como "Moana" (previsão para 2016) e "Gigantic" (previsão para 2018). O bom timing cômico ajuda a não tornar o filme tão longo em seus 108 minutos de duração.

Diante de tantos aspectos positivos, Zootopia surpreende. A sensação é de que o estúdio conseguiu se destacar dentro de uma fórmula já tanto utilizada, inclusive por ele mesmo, fugindo do "felizes para sempre" irreal pregado por muitas produções do gênero. Uma fábula divertida que, apesar das alegorias, nos faz pensar na realidade como ela é, e em como deveria ser.

Avaliação:



Comentários

  1. Obrigado pela avaliação. Eu acho que, embora a Disney tem produtos de boa qualidade do que o esperado. Gostei especialmente a referência a The Godfather e Rocky. Aqueles que ainda não viu, eu recomendo ver Zootopia agora que vai passar por hbo de ser retirado de dúvida, é divertido por um tempo, mas foi relaxante fundo delicado problemas da nossa sociedade.

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