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Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois (2016) | Sofrimento em forma poética

A icônica e louvável Trilogia da Morte de Petrus Cariry chegou ao fim com Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois. O terceiro filme, o qual possui o tema de seus longas anteriores, O Grão e Mãe e Filha, exibe de modo misterioso a tamanha erudição do extenso e pouco falado cinema cearense.

O longa-metragem apresenta a personagem-título de forma direta e ágil, como uma mulher cansada, vítima de traumas antigos de sua família (perda da mãe e envolvimento com o homicídio do irmão), com uma infelicidade no casamento e uma culpa sofrível dentro de si. Desta forma, Clarisse é incapaz de desenvolver qualquer tipo de emoção, como é evidenciado durante a primeira sequência de sexo.

Por meio disto, o drama desenvolve-se de maneira impenetrável e com elementos que são apresentados lentamente. O crescimento do primeiro ato se dá pelo horror psicológico que surge fortemente no instante em que a personagem parte para a casa de seu pai moribundo em busca de um provável acerto de contas. Dito isto, o trabalho do diretor se exibe como uma tragédia de deliberações, livramentos e, não menos importante, de conflitos internos femininos.

Os sintomas destes elementos são sutis e não se explicam muito, algo que incita o espectador. A explosão na primeira cena, por exemplo, revela antes do título surgir do que se trata o filme. Por conseguinte, as passagens tornam-se sucintas e as interpretações variantes crescem a inventividade do diretor.

O roteiro escrito por Petrus, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda instigam com a explosão vulcânica de Clarisse. A psicologia da personagem é libertadora através de seus diálogos e dos artefatos que crescem o áudio visual, como o figurino, o som e as imagens que desenvolvem Clarisse de forma empoderada. O roteiro, em vista disto, cria camadas artísticas que são essenciais para a história, e que não se desvaloriza com tantos simbolismos que constantemente apresentam uma nova significação.

Crítica: Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois (2016)

Sofrimento em forma poética 


A invocação da parte técnica é outro exemplo de como ser sintético. A fotografia, assinada pelo diretor, é de uma delicadeza imensa quando revela Clarisse como uma mulher forte em um lugar de hostilidade. Esta transmissão é perceptível com a elaboração centralizadora de revelar o pai em alguém viciado em estudar a morte (atentem aos elementos apresentados que estão ao seu redor). Acompanhado disto, o diretor sugere as suas inspirações de outros movimentos cinematográficos com a sua atmosfera tensa, mesmo permanecendo sempre original.

Outro elemento de angustia é a música. Os efeitos sonoros com a sua construção fúnebre são extremamente competentes e assustadores, como se algo muito tenebroso estivesse próximo. E, quando, enfim, temos o vislumbre do terror, os rudimentos são bagunçados e enriquecidos por montar uma qualidade de fotografia, sonoridade e montagem que criam diversas elaborações fantasmagóricas.

Por fim, o filme encerra do jeito que começou. Com um desenvolvimento de situações catárticas que relatam o quão forte a personagem é, seja com pedras sendo arremessadas ou com a força da natureza que Sabrina Greve exprime. E por meio de tanta dedicação, o filme se ostenta como um dos mais competentes do ano.




Filme assistido no 26º Festival Cine Ceará

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