Aquarius (Brasil) |
Aquarius não fala do movimento especificamente, mas o
posicionamento de sua protagonista é um claro vislumbre da raça desse povo que
resiste apesar de tudo. É, de fato, impossível não ligar a personagem aos
recentes acontecimentos de nossa cidade. Clara é uma mulher que venceu o
câncer, sobreviveu a todos que amou. Ovacionada em sessão especial neste mesmo
Recife, o filme é um sinal de que o cinema nacional vive seus melhores dias. Kleber reconhece o quanto a arquitetura e os prédios retornam
volta e meia em sua obra. Foi assim no curta Eletrodoméstica, no longa O Som ao
Redor, e de forma mais direta em seu novo filme, aclamado em Cannes e em sua
terra.
Vivendo em um dos últimos prédios antigos da orla de Boa Viagem, Clara vê-se pressionada a vender seu
imóvel para que sombras pairem sobre uma praia já repleta de grandes espigões.
E o filme começa com um vislumbre de uma jovem, comemorando o aniversário de
sua tia, ao lado dos filhos e marido. Ela comemora também o fato de ter vencido
uma doença tão devastadora.
As cenas iniciais apresentam as bases de seu amor pelo
local, trazendo lembranças entranhadas nas paredes, discos e mobílias. Pulando
no tempo, vemos uma já madura Clara, viúva, a colher os frutos de uma vida
plena. A chegada do capitalismo selvagem surge na figura do lobo em pele de
cordeiro: um muito doce Diego, interpretado por Humberto Carrão, tenta
convencê-la, primeiro de forma doce, para em seguida investir na provocação. O
diabo tem voz mansa, dirão os mais antigos moradores da capital pernambucana, e
convence a todos os antigos moradores a venderem sua parte.
Só não sucumbe Clara, apesar da incredulidade de
vizinhos e sua própria família. A personagem interpretada por Sonia Braga
inspira simpatia e assume as marcas de seu passado, sem no entanto vislumbrar
um futuro: ela ama seus discos mas entrega-se aos jovens prazeres e a
praticidade de um mp3. Sonia Braga retorna triunfal ao cinema nacional e mostra
porque é considerada uma de nossas musas. Chama a atenção do roteiro e diálogos
que trazem com naturalidade expressões corriqueiras de nosso povo, falas mansas
porém firmes, além de suas roupas, sotaques e ritmos. Recife está em tela,
com todas as suas nuances e naturalidades.
Impossível aqui não citar o motivo alegado para
a injusta classificação etária de 18 anos. Aquarius traz três cenas de conteúdo
sexual de maneira fortes e explícitas. A nudez está totalmente
amparada pelo roteiro e encontra-se de acordo com o contexto apresentado, a
primeira delas com traços poéticos através das quentes lembranças de sua tia
viúva.
O elenco de apoio, encabeçado pelos
pernambucanos Maeve Jinkings e Irandhir Santos, mostra a força de um cinema
que é inspiração para outros realizados em todo o país. Outro grande
destaque é a trilha sonora, condizente com sua protagonista, uma amante das
letras e das músicas. Estão presentes composições de Taiguara (Hoje, trilha
principal), Altemar Dutra, Roberto Carlos (O Quintal do Vizinho), Maria
Bethania (Jeito Estúpido de Amar) e do legendário Ave Sangria (Dois
Navegantes).
Aquarius é realmente tudo o que comentam. Um
filme sem grandes pretensões, com interpretações inspiradoras e um roteiro bem
delineado. Sem demagogia, surge aqui o melhor lançamento de 2016 dentre os
filmes nacionais. Vida longa ao cinema brasileiro.
Avaliação:
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