Pular para o conteúdo principal

Pequeno Segredo (2016) | Emoção, entre o crível e o artificial

"Pequeno Segredo" (Brasil)
É impossível não entrar na sala de cinema para assistir a “Pequeno Segredo” sem pensar na polêmica em que esteve envolvido após sua indicação brasileira à corrida do Oscar 2017. Dos concorrentes à indicação, todos os olhares passaram despercebidos pelo longa sobre a família Schürmann. Desde então, formou-se uma áurea de desconfiança e curiosidade em torno do que o filme seria capaz de conter. Após finalmente assisti-lo, fiquei, em parte, tranquilizado por ser um filme de características respeitáveis. Por outro lado, inquieto com o fato de que sua estrutura genérica jamais seria capaz de representar o cinema brasileiro como um todo – ainda mais em um ano de tantos exemplos mais significativos. 

O primeiro grande impacto é sua preocupação estética, visual e sonora. Seja na brutalidade do grafismo em uma cena tensa ou na abordagem calma de seus momentos-chave, há um requinte totalmente divergente do de ‘Aquarius’, por exemplo. E, ao pincelá-los com toques do gênero fantástico, as abstrações de ‘Pequeno Segredo’ ganham uma força impressionante – mas a anestesia não dura muito. Na maior parte, o modo como o filme se aproveita disso permanece no óbvio e não tem a consciência de expandir para os impactos que poderiam ser causados. Unido a isso, as transições de seu enredo são bruscas, fazendo com que os traços críveis que tentavam se moldar se percam lentamente. O que assusta, afinal, o filme não tem um ritmo apressado que justifique o descontrole. 

O segredo em questão torna-se claro por volta da metade do filme. E, a partir de então, a trama busca outros problemas para resolver e, em alguns bons momentos, consegue controlar tudo o que apresenta. A atuação de Júlia Lemmertz é um ponto finalmente emocionante; por mais que sua personagem Heloísa não passe por muita transformação, sua relação com os conflitos e sua atuação nas resoluções não são somente funcionais – há um significado real muito forte e perceptível.

A relação de Jeanne (Maria Flor) com a filha é admirável – e é surpreendente que, para isso, David resgate uma fantasia que está adormecida durante toda a abordagem do longa. Há uma emoção muito crível construída em torno de angústias formadas pela distância, pela incerteza do futuro e principalmente por tudo aquilo ser mencionado no presente. Mas depois, quando o filme decide esquecer a personagem, a força da construção anterior se torna duvidosa e perde impacto na conclusão de seu arco. Situação que se repete de modo semelhante com outras pontas soltas que se concluem a todo custo.

‘Pequeno Segredo’ é um drama de formato ordinário, mas belo. Utiliza-se de formatos lógicos de narração e, do primeiro frame ao último, oscila entre uma emoção crível e um drama estranhamente artificial. Tudo só se acentua com a proximidade ao seu viés “emocionante” que parece nunca se determinar suficiente. Para David Schürmann, o ápice de seu drama sempre estar por vir – mas essa escada de inúmeros degraus cansa pouco antes do fim. Chegar lá em cima deixa de ser uma ideia graciosa.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Morte do Demônio (2013) | Reimaginação do "Conto Demoníaco"

The Evil Dead (EUA) Em 1981, Sam Raimi conseguiu realizar algo extraordinário. Com um orçamento baixíssimo (em volta de 1,5 mil), o diretor reinventou os filmes idealizados dentro de uma cabana com jovens e demônios. Além disso, ainda conseguiu fãs por todo o planeta que apreciavam a maneira simples e assustadora que o longa fora realizado. Em 2009, Raimi entrou em contato com Fede Alvarez por seu recente curta-metragem viral que rolava pela internet. A conversa acabou resultando na id eia de uma reinvenção do “conto” original de 1981. Liberdade foi dada à Alvarez para que tomasse conta da história. Percebe-se, a início, a garra deste para uma boa adaptação, no entanto, ainda peca por alguns problemas graves percebíveis tanto para quem é ou não é fã do original. Ao que tudo indicava, seria um Reboot. Mas se trata, na realidade, de uma (aparentemente) continuação audaciosa. A audácia já começa no pôster de divulgação: “O Filme Mais Aterrorizante que Você Verá Nesta Vida”...

Anúncio Oficial [Duas Faces do Cinema: Quarto Ato]

Desde que nós dois, Arthur Gadelha e Gabriel Amora, sentamos para decidir o nome do blog de cinema que escreveríamos a partir dali, e entramos no acordo que “Duas Faces do Cinema” intitularia o projeto, já sabíamos, mesmo sem dizer um para o outro, que ele não perduraria para sempre; não como principal. No entanto, assim que lançado, ainda com um fundo preto e branco, separando o casal principal do grande vencedor do Oscar, “O Artista”, a marca “Duas Faces do Cinema” ganhava espaço entre amigos e familiares.

Leonard Nimoy, eterno Spock, morre aos 83 anos

A magia que um personagem nos passa, quando sincera, é algo admirável. Principalmente quando o ator fica anos trabalhando com a mesma figura, cuidando com carinho e respeitando os fãs que tanto o amam também. E, assim foi Leonard Nimoy . O senhor Spock de Jornada nas Estrelas , que faleceu ontem (27/02) por causa de uma doença pulmonar, aos 83 anos. O ator, diretor, escritor, fotógrafo e músico deixou um legado imenso para nós. E isso é algo que ele sempre tratou com muita paixão: a arte. A arte de poder fazer mais arte. E com um primor de ser uma boa pessoa e querida por milhares. E por fim, a vida atrapalhou tal arte. Não o eternizou como o seu personagem. Mas apenas na vida, pois no coração e na memória de todos, o querido Nimoy vai permanecer perpétuo nessa jornada. Um adeus e um obrigado, senhor Leonard Nimoy, de Vulcano. Comece agora, sua nova vida longa e próspera, onde quer que esteja.