Pular para o conteúdo principal

A Chegada (2016): entre a ganância de ‘Interestelar’ e a mensagem de ‘2001’

Dos símbolos norte-americanos que emergiram nos últimos dez anos, Dennis Villeneuve é o mais inquietante deles. E mesmo sendo canadense, seu vínculo cada vez mais íntegro à cultura hollywoodiana e tudo o que ela necessita acaba por torna-lo um de seus ícones. Ainda mais ao passear por produções de substâncias tão distintas. Desde “Redemoinho”, não há nenhum de seus filmes semelhante em qualquer aspecto. Cotado para dirigir “Blade Runner 2049”, Villeneuve é um diretor eficiente em ecletismo. Embora possa parecer confuso, isso o garante a estadia popular por tempo indeterminado. 

A Chegada: entre a ganância de ‘Interestelar’ e a mensagem de ‘2001’


“A Chegada” é uma experiência de dispersão contraída – um aprendizado imenso em sua carreira e um choque de público. “O que eles vieram fazer aqui? ” – A pergunta de banalidade óbvia, deixa de assim ser muito rapidamente. Embarcar na viagem se torna uma ótima ideia desde que seu primeiro take é apresentando sob uma trilha soturna e sentimental. 

Villeneuve compreende muito bem, por exemplo, a razão pela qual o espectador tropeça na construção de sua protagonista – o que parecia óbvio demais para ser sentido, tem, na realidade, um foco de distância imensa. O contexto da filha e o envolvimento direto com a missão da Dra. Banks (Amy Adams) parece, em um primeiro momento e dura grande parte do filme, um “simples” detalhe de sua abordagem psicológica; como uma justificativa para compreendermos quem Banks é. Em ‘Gravidade’, de Alfonso Cuarón, a situação é a mesma com a personagem de Sandra Bullock, diferente, no entanto, porque isso é revelado em um trecho muito curto. Em “A Chegada”, esse fato permeia toda narrativa. E se fosse só isso, se classificaria como um traço muito superficial de sentimento. E, ao ir além e fazer despencar toda nossa ingenuidade, o roteiro faz-nos saltar da poltrona.

Saí do filme pensando em todas semelhanças com ‘Interestelar’ de Christopher Nolan. Não somente por mexer de modo sutil com a percepção do tempo, mas pela existência da conexão entre “pais e filhos”, a construção lógica de exploração, e a relação altruísta entre os alienígenas e os humanos – especificamente, ao escolher alguém para “salvar a humanidade”. Não estou levantando uma discussão de “plágio”, até porque o conto original deste “Storie of Your Life”, de Ted Chiang, foi publicado em 1998. Mas as semelhanças são muito interessantes. Minha recordação imediata é justificada somente pela proximidade dos filmes, já que a maioria das mensagens acima vêm, na realidade, de outra produção imensamente mais profunda. - e o aspecto entre "pais e filhos" está presente de modo muito claro em "Contato", de Robert Zemeckis, também, que foi lançado em 1997.

“Ajudamos a humanidade. Em três mil anos precisaremos da sua ajuda”. É impossível ouvir isso e não lembrar imediatamente de modo muito emocionante do monólito preto responsável por evoluir a humanidade de ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, do engenhoso Stanley Kubrick. Nos ajudaram há milênios e precisarão de um retorno nosso daqui a três mil anos?

Objeto enigmático também ajuda a "raça humana" em '2001: Uma Odisseia no Espaço'
Nesse sentido, ‘A Chegada’ é imensamente mais responsável que ‘Interestelar’ e mais sensível que ‘Gravidade’, de Alfonso Cuarón. Primeiramente porque concebe todas as mensagens com muita calma e ao mesmo tempo de modo muito profundo; a centralização da personagem de Amy é a consistência de tudo isso. Toda a trama (principalmente a grande revelação) se passa em sua mente e a invasão é sutil - deixando rastros enigmáticos sem a obrigação de ser um "experimento científico".

Não fica claro, por exemplo, se Banks já tinha esse poder ou se há uma relação direta com os visitantes. Se tivesse, a vinda deles se justificaria por enxergar nela uma missão arriscada para unir os povos da Terra. Ainda penso na teoria em que Eles sejam os responsáveis diretos por isso, como se tivessem a preparado para uma missão altruísta. O que seria, evidentemente, uma referência bíblica ao trecho em que Deus prepara Noé ao designá-lo para salvar os animais do dilúvio (pela visão moderna de Villeneuve, Banks "nos salvou" do caos mundial de desunião).

E ao deixar de lado a ganância, Villeneuve não se preocupa em criar alarde diante a aparição dos alienígenas, que surgem próximo ao início. Fica claro, depois de um tempo, que isso não importa. A questão a ser vista ali é outra e essa decisão o expande brilhantemente em foco, estrutura e significado. Todas as inquietações filosóficas que sua revelação final incita chegam de maneira sóbria e consistente – embarcando ou não na viagem, a mensagem perde a obviedade e ganha personalidade. 

Se ‘2001’ e ‘Interestelar’ esperaram a “humanidade” entrar em colapso para fazerem a ponte entre raças universais, ‘A Chegada’ faz questão de preveni-la. E, embora Villeneuve nos force a acreditar muito rápido na união dos povos, é revigorante assistir a uma ficção científica que tenha esse aspecto como seu principal objetivo. 

‘A Chegada’ já nasce com cara de clássico moderno. Mas ainda veremos se é verdade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Leonard Nimoy, eterno Spock, morre aos 83 anos

A magia que um personagem nos passa, quando sincera, é algo admirável. Principalmente quando o ator fica anos trabalhando com a mesma figura, cuidando com carinho e respeitando os fãs que tanto o amam também. E, assim foi Leonard Nimoy . O senhor Spock de Jornada nas Estrelas , que faleceu ontem (27/02) por causa de uma doença pulmonar, aos 83 anos. O ator, diretor, escritor, fotógrafo e músico deixou um legado imenso para nós. E isso é algo que ele sempre tratou com muita paixão: a arte. A arte de poder fazer mais arte. E com um primor de ser uma boa pessoa e querida por milhares. E por fim, a vida atrapalhou tal arte. Não o eternizou como o seu personagem. Mas apenas na vida, pois no coração e na memória de todos, o querido Nimoy vai permanecer perpétuo nessa jornada. Um adeus e um obrigado, senhor Leonard Nimoy, de Vulcano. Comece agora, sua nova vida longa e próspera, onde quer que esteja.

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014) | Peter Jackson cumpre o que prometeu

    Não vamos negar que a trilogia O Hobbit possui grandes problemas. O que é uma pena, já que a trilogia anterior ( O Senhor dos Anéis ) não tem falha alguma. Contudo, o que tinha de errado em Uma Jornada Inesperada e Desolação de Smaug , o diretor Peter Jackson desfaz nessa última parte. O que é ótimo para os espectadores e crível para os adoradores da saga da terra-média de longa data.     O filme apresenta problemas diversos, por exemplo, um clímax logo na primeira cena (se é que você me entende) e um personagem que não consegue momento algum ser engraçado. Falhas como essas prejudicam o filme como todo. O roteiro, por ser o mais curto dos três, precisava de mais tempo em tela, e dessa forma, cenas e personagens sem carisma são usados repetidas vezes e com uma insistência sem ter porquês. Mas, em contra partida, O Hobbit e a Batalha dos Cinco Exércitos consegue ser mais direto, objetivo e simples que seus antecessores, que são longos e cheios de casos...

Filmes querem lhe enganar, não esqueça disso

Este texto não bem uma crítica, mas uma ponderação sobre o cinema enquanto uma ferramenta de afirmação. Podemos supor que o que leva uma equipe a gastar quase 100 milhões de dólares para contar uma história é principalmente acreditar nela. Veja só, por que filmes de guerra são feitos? Além do deslumbre de se tornar consumível uma realidade tão distante do conforto de uma sala com ar-condicionado, há a emoção de se  converter emoções específicas. Sentado em seu ato solitário, o roteirista é capaz de imaginar as reações possíveis de diferentes plateias quando escreve um diálogo ou descreve a forma como um personagem se comporta. Opinião: Filmes querem lhe enganar, não esqueça disso "Ford vs Ferrari", de James Mangold, é essencialmente um filme de guerra. Mesmo. Digo isso porque Ford vs Ferrari , de James Mangold , é essencialmente um filme de guerra. Mesmo. Aqui é EUA contra Itália que disputam o ego de uma vitória milionária no universo da velocidade. Ainda no iníci...