Dos símbolos norte-americanos que emergiram nos últimos dez anos, Dennis Villeneuve é o mais inquietante deles. E mesmo sendo canadense, seu vínculo cada vez mais íntegro à cultura hollywoodiana e tudo o que ela necessita acaba por torna-lo um de seus ícones. Ainda mais ao passear por produções de substâncias tão distintas. Desde “Redemoinho”, não há nenhum de seus filmes semelhante em qualquer aspecto. Cotado para dirigir “Blade Runner 2049”, Villeneuve é um diretor eficiente em ecletismo. Embora possa parecer confuso, isso o garante a estadia popular por tempo indeterminado.
A Chegada: entre a ganância de ‘Interestelar’ e a mensagem de ‘2001’
“A Chegada” é uma experiência de dispersão contraída – um aprendizado imenso em sua carreira e um choque de público. “O que eles vieram fazer aqui? ” – A pergunta de banalidade óbvia, deixa de assim ser muito rapidamente. Embarcar na viagem se torna uma ótima ideia desde que seu primeiro take é apresentando sob uma trilha soturna e sentimental.
Villeneuve compreende muito bem, por exemplo, a razão pela qual o espectador tropeça na construção de sua protagonista – o que parecia óbvio demais para ser sentido, tem, na realidade, um foco de distância imensa. O contexto da filha e o envolvimento direto com a missão da Dra. Banks (Amy Adams) parece, em um primeiro momento e dura grande parte do filme, um “simples” detalhe de sua abordagem psicológica; como uma justificativa para compreendermos quem Banks é. Em ‘Gravidade’, de Alfonso Cuarón, a situação é a mesma com a personagem de Sandra Bullock, diferente, no entanto, porque isso é revelado em um trecho muito curto. Em “A Chegada”, esse fato permeia toda narrativa. E se fosse só isso, se classificaria como um traço muito superficial de sentimento. E, ao ir além e fazer despencar toda nossa ingenuidade, o roteiro faz-nos saltar da poltrona.
Saí do filme pensando em todas semelhanças com ‘Interestelar’ de Christopher Nolan. Não somente por mexer de modo sutil com a percepção do tempo, mas pela existência da conexão entre “pais e filhos”, a construção lógica de exploração, e a relação altruísta entre os alienígenas e os humanos – especificamente, ao escolher alguém para “salvar a humanidade”. Não estou levantando uma discussão de “plágio”, até porque o conto original deste “Storie of Your Life”, de Ted Chiang, foi publicado em 1998. Mas as semelhanças são muito interessantes. Minha recordação imediata é justificada somente pela proximidade dos filmes, já que a maioria das mensagens acima vêm, na realidade, de outra produção imensamente mais profunda. - e o aspecto entre "pais e filhos" está presente de modo muito claro em "Contato", de Robert Zemeckis, também, que foi lançado em 1997.
“Ajudamos a humanidade. Em três mil anos precisaremos da sua ajuda”. É impossível ouvir isso e não lembrar imediatamente de modo muito emocionante do monólito preto responsável por evoluir a humanidade de ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, do engenhoso Stanley Kubrick. Nos ajudaram há milênios e precisarão de um retorno nosso daqui a três mil anos?
Objeto enigmático também ajuda a "raça humana" em '2001: Uma Odisseia no Espaço' |
Nesse sentido, ‘A Chegada’ é imensamente mais responsável que ‘Interestelar’ e mais sensível que ‘Gravidade’, de Alfonso Cuarón. Primeiramente porque concebe todas as mensagens com muita calma e ao mesmo tempo de modo muito profundo; a centralização da personagem de Amy é a consistência de tudo isso. Toda a trama (principalmente a grande revelação) se passa em sua mente e a invasão é sutil - deixando rastros enigmáticos sem a obrigação de ser um "experimento científico".
Não fica claro, por exemplo, se Banks já tinha esse poder ou se há uma relação direta com os visitantes. Se tivesse, a vinda deles se justificaria por enxergar nela uma missão arriscada para unir os povos da Terra. Ainda penso na teoria em que Eles sejam os responsáveis diretos por isso, como se tivessem a preparado para uma missão altruísta. O que seria, evidentemente, uma referência bíblica ao trecho em que Deus prepara Noé ao designá-lo para salvar os animais do dilúvio (pela visão moderna de Villeneuve, Banks "nos salvou" do caos mundial de desunião).
Não fica claro, por exemplo, se Banks já tinha esse poder ou se há uma relação direta com os visitantes. Se tivesse, a vinda deles se justificaria por enxergar nela uma missão arriscada para unir os povos da Terra. Ainda penso na teoria em que Eles sejam os responsáveis diretos por isso, como se tivessem a preparado para uma missão altruísta. O que seria, evidentemente, uma referência bíblica ao trecho em que Deus prepara Noé ao designá-lo para salvar os animais do dilúvio (pela visão moderna de Villeneuve, Banks "nos salvou" do caos mundial de desunião).
E ao deixar de lado a ganância, Villeneuve não se preocupa em criar alarde diante a aparição dos alienígenas, que surgem próximo ao início. Fica claro, depois de um tempo, que isso não importa. A questão a ser vista ali é outra e essa decisão o expande brilhantemente em foco, estrutura e significado. Todas as inquietações filosóficas que sua revelação final incita chegam de maneira sóbria e consistente – embarcando ou não na viagem, a mensagem perde a obviedade e ganha personalidade.
Se ‘2001’ e ‘Interestelar’ esperaram a “humanidade” entrar em colapso para fazerem a ponte entre raças universais, ‘A Chegada’ faz questão de preveni-la. E, embora Villeneuve nos force a acreditar muito rápido na união dos povos, é revigorante assistir a uma ficção científica que tenha esse aspecto como seu principal objetivo.
‘A Chegada’ já nasce com cara de clássico moderno. Mas ainda veremos se é verdade.
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