A transição de tons entre ‘Enigma’ e ‘Relíquias 1’ vai muito além da fotografia que volta a se aproximar do azul da ‘Ordem’. O verdadeiro clima caótico começa aqui, mas não somente por incitação ou presunção, como acontece em outros capítulos da saga. Finalmente, o sentimento é perceptível. Estar na pele de Harry Potter se torna algo assombroso e sua jornada se determina cada vez mais complexa – um choque que vem sendo induzido nos livros desde seu quarto volume, demorou para acontecer no cinema. Mas chegou. E seus primeiros minutos pré-abertura já fazem esquecer o desnível de seu longa anterior.
+ Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009) | Potencial em xeque
+ Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009) | Potencial em xeque
Sendo o primeiro filme de sagas “adolescentes” a dividir seu último livro em dois, especulou-se, desde que anunciado, a real necessidade disso. O discurso de “sugação financeira” se tornou óbvio e, por mais que a “acusação” tenha fundamento real, era um passo corajoso demais para se fazer naquele momento. Ainda mais levando em consideração o tempo imenso que dividiu suas duas partes. Independente disso, assistir à “Parte 1” pareceu, para muitos, confirmar o fato de que a divisão tenha sido forçada - talvez por conta de seu clima imensamente arrastado. No momento que saí da sala, porém, nenhuma dessas “acusações” me pareceu correta. Pela primeira vez em sete anos, estava aflito e envolvido de modo ensurdecedor com uma trama de viés fantástico.
Ao se transformar de modo muito digno em um “Road Movie”, a saga ganha traços de inovação admirável em seu universo. Cada “etapa” de sua descoberta é vista muito de perto e a atenção é redobrada. É uma pausa necessária em toda a felicidade mágica que nos acompanhou até ali – não há mais trilha alto astral, respiros narrativos, fotografia-personagem; não há mais Dumbledoore, não há mais Hogwarts. O freio dado por Yates tem um interesse, por mais que óbvio, de função certa. Se ‘Enigma’ foi uma imersão na mente ausente de Voldemort, esse é uma reflexão máxima acerca do próprio Harry e seu ícone heroico. Ao mesmo tempo, surge como pedra a percepção de estarmos acompanhando a saga há tantos anos, acusando, principalmente, o desespero de estar próximo ao fim.
O sentimento de vulnerabilidade é o maior responsável por determinar a força de seu trio. Até então, Harry, Rony e Hermione tinham, entre si, uma aproximação de comodidade – Hogwarts justificava a união. Fora desse cenário que um dia foi aconchegante, o filme impressiona por encontrar espaço para compreender ainda mais esse sentimento. Arcos como a compreensão da obrigação de Harry, da aflição de Hermione e da consolidação de Rony como uma peça fundamental é mais crível que todo exagero de seu sexto filme, por exemplo, fortificando suas motivações nesse ponto do processo (parte, também, pelo profissionalismo exponencial de suas performances como atores).
Por compreender muito bem todas essas questões e saber como abordá-las, David Yates e Steve Kloves apresentam a melhor contribuição na saga. Yates, principalmente, por coordenar sua equipe de modo a não deixar algum de seus elementos sem consistência real. E a responsabilidade visível comove; dessa vez com um olhar aflito, ambientes tão cruciais são muito bem aproveitados; a rua dos Alfeneiros, Ministério da Magia, Godric's Hollows, A “Mansão” de Voldemort, a sede da Ordem – além de objetos, como a Espada de Gryffindor ou o Pomo de Ouro. A revisita de todos esses símbolos poderia estar envolto de um sentimentalismo ordinário, mas Yates sabe por onde ir (experimentando até novos formatos) – e sobretudo por onde não ir.
‘Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1' é, mais que qualquer outro título da saga, consciente de sua importância e de execução emocionante. O recorte de sua parte não poderia ser mais bem definido, repetindo de modo ainda mais inquietante a aflição da urgência, do adeus, e, principalmente, do caos que está por vir.
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