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Jackie (2017) | Emoção efêmera

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Jackie (EUA)
Mexer com particularidades de grandes acontecimentos é sempre uma tarefa muito sensível. Talvez, principalmente, por ter que preencher muitas lacunas que permanecem em branco pelo aspecto “bastidor” do acontecimento. E se contar já é difícil, quiçá recriar como um objeto de emoção. Assim foi com o frágil 'A Dama de Ferro' de Phyllida Lloyd, que trouxe uma Margaret Thatcher idosa em conflito com o passado; ou até mesmo 'Steve Jobs', do competente Danny Boyle, que dignifica e aflige uma figura tão popularmente conhecida pela genialidade. Em 'Jackie', a mexida traz mais atenção por (duvidosamente) tocar na identidade estadunidense de forma direta. Natalie Portman vive Jacqueline Kennedy, viúva do ex-presidente John F. Kennedy, assassinado em 1963. O projeto tinha tudo para se tornar mais uma biografia corriqueira, mas um item distancia o filme disso: o diretor chileno Pablo Larraín.

'Jackie' é uma história que tem como principal apetrecho narrativo o seu formato. Fugindo de abordagens convencionais, o filme esquece a linearidade e transita entre quatro momentos específicos: a primeira entrevista concedida, uma filmagem anterior sobre a Casa Branca, uma conversa reflexiva com um padre, e, obviamente, o dia fatídico do assassinato. A costura dessas histórias tem critérios muito mais sensíveis que uma simples necessidade de preenchimento. 

Larrain é engenhoso ao não só remontar imagens do passado (todas originárias de mídias) como também por incorporar essa estética a realidade que chega a recriar. O filme, portanto, é uma "bagunça" de tons; ora se assume realista, ora documental, ora algo entre os dois. Essa decisão por particionar a história de modo visual, inclusive, lembra muito seu último trabalho "Neruda". Mas, se nesse as distinções soam grosseiras e claustrofóbicas, em 'Jackie', porém, o uso é sempre instigante. Um esteticismo muito exposto que faz com que a imersão seja constantemente alternada e o filme nunca deixa uma folga que incite o desprendimento. 

Aliás, essa conexão tem uma relação direta com sua ambição escancarada de se afirmar. O interesse em determinar Jackie como protagonista indiscutível é traduzido em planos sempre tão próximos que parece capaz de registrar para além dos suspiros. Isso dignifica ainda mais o trabalho desconcertante de Natalie Portman, que concretiza com veemência "suas personagens" que, apesar do pouco tempo, estão em condições emocionais muito distintas. E seu tamanho na obra é tão grandioso que até J. Kennedy é reduzido à meias-faces e pequenas e distantes aparições. 

Mas o que mais chama atenção aqui é a sua realização. Convocar um chileno que acabou de filmar a fuga de um poeta comunista para dirigir 'Jackie' é um fato imensamente curioso. Primeiro porque de 'No', 'O Clube' e 'Neruda', o projeto nada se assemelha em essência. Pablo Larraín é um observador instigado e encontra nesse drama interno uma abordagem não-convencional de um fato psicológico que poderia ser do mesmo. Hoje ouvi que o filme seria melhor nas mãos de Spielberg ou de Peter Morgan. Mas, apesar de tentar muito, não consigo ver 'Jackie' como um filme linear ou (como ouvi de mulher que saía do cinema) uma biografia de maior alcance histórico. O que a obra tem de mais poderoso é esse caráter episódico e a consequente imagem inconstante - vista de modo igualmente errático - de uma personagem que nunca parece completa. 

A presença de Larraín no projeto é ainda mais ousada ao não se ater a qualquer heroísmo; nem na superfície e sequer nos subtextos. Kennedy não é dignificado em nenhum momento; em duas sequências é até martirizado pelos próprios "parceiros de cena". Sua morte é apenas um gancho narrativo e grandioso pelo símbolo. Nem a própria Jackie sai ilesa, porque, apesar de não ter qualquer apontamento direto, suas camadas permitem o questionamento. Larraín olha para isso sem causar qualquer interferência lesiva e consegue emocionar com um luto que nunca se escracha, uma dor que pulsa. Inclusive, a trilha contida flerta com um clima macabro que só engrandece a estranheza de "uma história comum".

Crítica: Jackie (2017)

Emoção efêmera


Ao sair perplexo da sessão de 'O Clube' em 2015, eu jamais diria que essa soma aconteceria um dia: Pablo Larraín + EUA + Natalie Portman. Também não apostaria que seria um grande filme. A aposta da vez, é se essa estreia estadunidense pode render a Larraín outros frutos conterrâneos. Mas, por ora, não há como saber se 'Jackie' foi só uma aventura brilhantemente efêmera. 

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