O novo filme de Martin Scorsese ‘Silêncio’ é a obra mais injustiçada dos últimos anos em Hollywood. E, mesmo que haja uma explicação cabível para o não investimento da distribuidora em planos de marketing, é uma pena que ele surja desse limbo. O imenso destaque de ‘Silêncio’ é uma opção técnica que inicialmente assusta: o uso íntegro e respeitoso do próprio silêncio. Dois dias depois, pensando ininterruptamente no filme, fui assistir ao novo filme dos irmãos Dardenne ‘A Garota Desconhecida’. E, para minha surpresa, é outra obra que decide ter como alicerce o silêncio e todas suas incitações psicológicas. A distinção desse uso em ambos os filmes me deixou animado quanto a capacidade de impacto que simples motivações narrativas são capazes de causar.
Em ‘Silêncio’, dois padres jesuítas portugueses partem para uma jornada desafiadora rumo a um Japão do século XVII que reprime o catolicismo. Vistos como figuras de resistência para quem, silenciosamente, seguia essas crenças, ambos viram alvos imediatos do Governo. Assim como todos os padres que pisaram o país, são submetidos a violência física e psicológica para que renunciem a religião – a servir de exemplo aos fiéis que ainda restam. O silêncio de Deus diante as atrocidades que testemunham, tamanho ódio e raiva, é desesperador. Os jesuítas (vivido com mais atenção por Andrew Garfield no filme) não suportam mais viver no silêncio. Ter que ser um símbolo de resistência enquanto se vêm tentados a duvidar se alguém os escuta.
Martin Scorsese e sua trupe técnica trazem esse silêncio e constroem uma trama que consegue ser ambígua quanto a esse retrato. Um silêncio que denuncia o sentimento coagido, que força uma compaixão imediata com essa dor. Sendo uma obra essencialmente lenta e positivamente estagnada, Scorsese se liberta em um único momento. Ao fim de uma caminhada martirizada, Padre Rodrigues despenca ao chão. A câmera se afasta como uma rapidez sedutora e esse vazio que era somente sonoro se expande para uma contemplação de espaço. A câmera estaciona distante e Rodrigues permanece ao fundo. Nenhum som se manifesta, nem mesmo da natureza que o observa.
Adèle Haenel como Jenny em 'A Garota Desconhecida' |
Já na obra dos Dardennes, o silêncio é menos impactante, mas com um significado perceptível. Na trama, Jenny é uma médica jovem que trabalha em um consultório de bairro. Ao fim de um dos expedientes, alguém toca a campainha e ela não decide abrir por conta do horário. Somente no outro dia, descobre que a mulher que tocou foi morta naquela noite, minutos depois. Ninguém conhece sua identidade e, envolta pela culpa, decide ir atrás de descobrir. Só que Jenny é uma personagem de aspecto muito apático; com a exceção do susto inicial, ela não reage com muita emoção as novas informações que vão surgindo - por mais que o caso seja assustador.
Dardennes se aproveitam disso para empregar a obra uma aparência neutra à situação. É uma pena que isso enfraqueça a imersão na história, mas é instigante que isso seja visto como necessário. O silêncio se espelha a sensibilidade calada de Jenny e a principal função disso parece levar quem o assiste para próximo dessa recepção. E o filme ainda parece justificar que isso está relacionado à profissão da protagonista, mas acredito que seja uma declaração arriscada. Prefiro perceber que é um traço de percepção do próprio espaço.
Em ambos os filmes há essa ligação com a solidão que, para seus protagonistas, é o principal norte das suas dúvidas e a razão de suas jornadas. É uma aproximação tanto improvável, mas que me deixou pensativo nos últimos dias. A convite da revista universitária “Doença Crônica”, uma vez escrevi sobre como o canadiano Xavier Dolan utiliza a chuva como um personagem expressivo no filme “Mommy”. Assim como sempre penso o olhar sobre a natureza que Terrence Malick emprega em seus filmes. A reflexão quanto ao silêncio me parece uma das mais profundas quanto a uma arte que nasceu dele. Um vazio que soube se relativizar em séculos de "evolução".
+ Mommy (2014): O Personagem Secreto de Xavier Dolan
Em ambos os filmes há essa ligação com a solidão que, para seus protagonistas, é o principal norte das suas dúvidas e a razão de suas jornadas. É uma aproximação tanto improvável, mas que me deixou pensativo nos últimos dias. A convite da revista universitária “Doença Crônica”, uma vez escrevi sobre como o canadiano Xavier Dolan utiliza a chuva como um personagem expressivo no filme “Mommy”. Assim como sempre penso o olhar sobre a natureza que Terrence Malick emprega em seus filmes. A reflexão quanto ao silêncio me parece uma das mais profundas quanto a uma arte que nasceu dele. Um vazio que soube se relativizar em séculos de "evolução".
+ Mommy (2014): O Personagem Secreto de Xavier Dolan
Isso me leva a pensar em como esses sentimentos podem ser confortantes e angustiantes ao mesmo tempo, exatamente na mesma medida. Que louco é o cinema.
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