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O Livreiro de Cabul | A apresentação de uma realidade dolorosa


Guerras constantes, invasão soviética, tomada do Talibã e diversos outros conflitos internos são parte da história do Afeganistão, país de origem da família de Sultan Kan, filho mais velho de Bibi Gul e, consequentemente, líder da família Kan (pseudônimos criados pela jornalista).

"Eu tiro o véu, o vestido, as sandálias, as calças, as roupas íntimas. Uma vez aqui dentro é tarde demais para se arrepender. Gritar é impossível; elas levam a culpa de qualquer jeito mesmo se alguém vier socorrê-las. O escândalo arruinaria suas vidas". (O livreiro de Cabul, p. 150)

Ao contrário do escritor Khaled Hosseini (conhecido por obras como "O Caçados de Pipas" e "Cidade do Sol"), que é nascido no Afeganistão, mas nos apresenta histórias romantizadas, a jornalista norueguesa Âsne Seierstad já possui outro objetivo. Após ter morado por 3 meses com uma família afegã, a autora nos apresenta uma realidade completamente diferente da usual, apesar de um pouco parecida com a apresentada pelo autor afegão.



De forma rápida e sem cerimônias, Seierstad entra na vida da família do intelectual (apesar de por muitas vezes parecer bem atrasado) livreiro de Cabul - chefe da família, filho mais velho e possuidor de duas esposas -, Sultan Kan, com a premissa de escrever um livro sobre a realidade de uma família afegã. E o que foi uma oportunidade não desperdiçada para Âsne para conhecer uma nova realidade se tornou um fenômeno que teve como foco principal a injustiça das mulheres no país do Oriente Médio. Contado pelo ponto de vista de diversos membros da família Kan (com destaque para a visão de Sultan, o chefe da família e de Leila, sua irmã mais nova), o contexto social e histórico vão se tornando evidentes para o leitor.

"Uma mulher pede a Deus para na próxima vida ser uma pedra em vez de mulher" (O livreiro de Cabul, p57)

Intelectualizado e batalhador da literatura, Sultan Kan possui uma visão diferente da maioria dos refugiados e moradores do Oriente Médio. Sua maior pretensão é manter seus manuscritos raros e livros clássicos protegidos de qualquer quem seja que esteja no poder do Afeganistão no momento. Mas, de qualquer forma, o contexto social atual e o machismo impotente do local n]ao o afastam tanto do que posso afirmar ser um puro atraso.

"Escrava nova e escrava velha". É assim que a irmã mais nova de Sultan Kan descreve a sim mesma e a mãe ao entrarem pelas ruas de Cabul e terem de colocar por cima de suas cabeças a burca já tão simbólica no país. Sem poder estudar, trabalhar ou passar pelo menos um dia de sua vida sem varrer a casa, Leila escuta calada aos mais pesados insultos de seu sobrinho Mansur, filho mais velho de Sultan, e aos preconceitos e hipocrisia de seu irmão mais velho. As mulheres da família Kan são vendidas para casamentos, tratadas muitas vezes como inválidas e impedidas de ficar em uma mesma sala com um homem desconhecido, mesmo que isso signifique afastá-las de seus sonhos e pretensões. 


Com direito a relatos fortes e crimes vergonhosos (que parecem ser comuns no meio da família), Asne não poupou seus leitores de nenhum detalhe, fato que parece ter envergonhado a família Kan. Sultan (utilizando o nome verdadeiro) escreveu o livro "Eu sou o Livreiro de Cabul", prestando depoimentos e afirmando estar se sentindo traído e insultado pela audácia da jornalista que, de acordo com o livreiro, se equivocou com suas interpretações. 


(Em tributo a todas as mulheres que são obrigadas a vivenciar uma realidade machista, este post não possui gif)

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