Un Profil Pour Deux (França/Alemanha/Bélgica) |
Enquanto gênero de massa, a comédia costuma se jogar em abismos tão corriqueiros que a graça é sabotada por um oportunismo de reciclagem. O ineditismo temático e estrutural não é um requisito financeiramente importante para que esses filmes, de um modo geral, existam. Essa definição, por exemplo, se aplica na maior parte do que é produzido pelos EUA e até mesmo pelo Brasil. Assistido no Festival Varilux de Cinema Francês, é curioso perceber que 'Um Perfil para Dois' encontra desvios diante a quantidade de comédias presentes no evento, e repensar o emprego estereotipado do humor diante isso é uma discussão a ser levada adiante.
O destaque de sua história é a abordagem que não precisa nascer engraçada; e mesmo que a montagem incite logo no início uma ambientação muito apressada, seu sentimento geral deixa evidente as medições com a realidade. Não é como roteiros espalhafatosos que se orgulham de ser sempre inconsequentes, gostando da inviabilidade do que cria. O diretor e roteirista Stéphane Robelin, brincando também com a auto referência da profissão, importa-se em exergar seus acontecimentos. Não que isso seja magnífico, até porque toda a intenção tende a ir falhando até se entregar ao que, em tese, estaria se afastando. Mas é interessante sentir que há, nessa história curiosa, um humor bonito de se ver construído.
Mesmo que já comece nessa brincadeira de ritmo morno, o filme não esconde que usa uma história “improvável” para um gancho específico. Afinal, falando explicitamente sobre o tempo e seus pesares, esse é um filme sobre solidão (interessante perceber que referente a todos os personagens em tela). Mas talvez exatamente por isso, Robelin perca um pouco a noção do problema que possui – isso porque a solução que encontra não é digna de receber os elogios que o roteiro do seu personagem recebe. A questão dramática é montada demais para que seu desfecho possa ser tão inconsciente de si; o sentimento envolvente que propõe ao curso de sua história não parece legítimo. Não que Robelin não possa ter a liberdade de transviar a relação com realidade, ainda mais ao deixar vestígios que o filme é também seu experimento de criação. Mas é uma mudança que não cabe no quase resumo que lhe resta.
Quanto a sua maior parte, a solidão dos personagens conflita com a realidade desses sentimentos que dizem ter. Concerne ao público supor os acontecimentos e, o mais interessante, criar expectativas para como essa bagunça pode ser concluída. O plano de Pierre é impensável, e ainda mais a adesão de Alex. São personagens que, embora em tempos diferentes, dividem mesmas inquietações sem desconfiarem disso. É nesse vinco que mora a justificativa de atenção; o envolvimento é imediato. Mesmo que Alex não seja tão expressivo (e aí fico na dúvida se Yaniss Lespert tem um bom trabalho ou não), esse elemento de sua caricatura como artista frustrado completa a ansiedade calada de seu parceiro de drama.
Por querer também ser uma obra sedutora, a invasão de Flora (Fanny Valette) prepara o filme para a credibilidade de sua conclusão. E mesmo que não acabe de modo orgânico, a sensação de bem-estar é evocada em todas as plateias. Mas o filme poderia ser mais corajoso; propor algo novo sem quebrar os alicerces de uma trama que consegue ser pulsante até ali.
Mas para além de todas essas inquietações, 'Um Perfil para Dois' é uma diversão que fica. Exclusivamente por seu tom precisamente humorado e, para o bem e para o mal, pela ponte que decidiu construir entre os problemas e a solução perfeita. Quase ingênuo, mas sabemos por denúncia da própria obra que há um propósito muito evidente: não perder ninguém.
Crítica: Um Perfil para Dois (2017)
Humor, problema e solução
/ Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2017 /
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