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Death Note (2017) | Boas lembranças, má execução

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Após um período de muita expectativa e especulação – nem sempre positiva –, Death Note, adaptação norte-americana da série de mangás homônima de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, chega à Netflix com roupagem ocidental, estética particular e personagens familiares, mas nada além disso.

Dirigido por Adam Wingard, o longa se passa em Seattle e conta a história de Light Turner (Nat Wolff), um jovem estudante que, ao encontrar um caderno sobrenatural, recebe o poder de matar qualquer pessoa apenas em posse de duas informações: o nome e o rosto da vítima. Após chamar a atenção de L (Keith Stanfield), um experiente detetive de hábitos excêntricos, Light se vê encurralado e luta para permanecer sobre o controle de suas novas possibilidades.

Talvez pela bagagem anterior de Wingard – o diretor possui em seu currículo o recente A Bruxa de Blair (2016), o elogiado Você é o Próximo (2013) e o controverso V/H/S (2012) – algumas cenas chamam atenção pelas referências diretas a inúmeros subgêneros do terror. E convencem. Não pela atmosfera, mas exclusivamente pelo seu valor estético.

Dito isso, precisamos voltar a atenção para um aspecto que permeia todos os defeitos subsequentes em Death Note: os elementos visuais têm potencial, mas são completamente atropelados por uma narrativa insegura, desconforme e incomodamente acelerada.

Em uma sequência com menos de dois minutos, por exemplo, o ritmo dos acontecimentos parece querer incutir no público todas as consequências e implicações sociais de Light ter encontrado o caderno. Algo que – apenas por decisão do filme, é bom lembrar – tem total importância para justificar uma das interações de Light com L dali a pouco.

Mas nenhum elemento do longa é tão prejudicado pela pressa desmedida quanto a construção dos personagens. E, em uma adaptação tão audaz como a que o Death Note americano se propôs a apresentar, com tal distanciamento do material fonte, o desenvolvimento de cada persona é, no mínimo, primordial.   

Aqui, temos um Light que sofre situações de injustiça, é reativo a elas, mas não sabe – ou, pelo menos, não demonstra saber – o que fazer na maior parte do tempo útil em tela. Os caminhos narrativos sobre esse personagem são dúbios: ficamos sabendo que Light não é vaidoso sobre seu poder, mas, por vezes, não faz tanta questão de escondê-lo. Além disso, a atuação de Nat Wolff é tão relapsa que desconcentra o público.

Já L não deixa tanto a desejar. Keith Stanfield está bem em cena, e algumas escolhas do filme relativas à sua postura corporal trazem boas lembranças aos fãs sobre a obra original. Mas o contentamento não dura muito: apesar de ser tratada como um fato indiscutível pela narrativa, a inteligência do personagem – que deveria ser, de longe, o seu ponto forte – é questionável. L teria outros meios para chegar até Light que não fossem coincidências de roteiro.

O irreverente deus da morte Ryuk (Willem Dafoe) também trouxe novidades: sem maiores revelações da trama, basta dizer que, aqui, ele não é passivo sobre a utilização do caderno por humanos. Em outras palavras, ele é menos observador do que manipulador. Porém, o visual pouco realista do personagem – quase sempre escondido por desfoques de câmera ou sombras injustificadas – não faz jus ao bom trabalho de voz de Dafoe.

A jovial Misa Amane, por sua vez, foi adaptada para Mia Sutton (Margaret Qualley) no live action, uma estudante assim como Light. Apesar de ser cúmplice do protagonista durante toda a trama, o que é bastante interessante de se ver, o tom da personagem nunca é consistente, o que faz de sua participação uma confusão do início ao fim.

Quanto aos outros fatores, esse é um daqueles filmes que nos lembram de que, quando a narrativa é superficial, os aspectos técnicos ficam à deriva. Exemplo disso é o ousado tom cyberpunk da cinematografia e os enquadramentos incomuns. Ambos são bonitos, mas, com tantas inconsistências de roteiro e direção, só têm a nos avisar que estão em tela a serviço de nada.

Por fim, é inevitável perceber que Death Note faz de si um paradoxo: por não ser mais que um conjunto de cenas pouco amarradas entre si, a história não caminha muito bem sem a memória da obra original como pano de fundo. E, ainda assim, na medida em que pede auxílio às lembranças do espectador, entrega de bandeja a ele os próprios defeitos.

Crítica:  Death Note (2017)

Boas lembranças, má execução

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