Por vezes, obras totalmente problemáticas podem incomodar menos do que aquelas de potencial mal aproveitado e cuja premissa, apesar de provocante, jamais é completamente valorizada. Nestes últimos casos, o gosto ruim na boca pode ser muito mais forte. É justamente nesse espectro que se encontra O Nevoeiro, adaptação do canal Spike (com distribuição da Netflix) do conto de mesmo nome do autor norte-americano Stephen King.
Crítica: O Nevoeiro - 1ª Temporada (2017)
Inconsistência que vai além do título
A história de moradores de Bridgeville, Maine, que se veem diante de uma misteriosa e densa névoa, responsável pela morte de quem se manter em contato com ela, traz possibilidades que não são novas. Substitua o nevoeiro por mortos-vivos ou por uma nevasca e você terá a tônica do questionável The Walking Dead (2010) e do bom Os Oito Odiados (2016), guardadas as óbvias e devidas proporções. Essa, portanto, é uma história sobre humanos colocados em situações extremas e sobre as consequências disso em seus comportamentos.
Por isso, é uma pena que O Nevoeiro, mesmo sabendo depender crucialmente da relação entre seus personagens (a névoa e o que ela esconde são meros acessórios), cada vez mais apegados aos seus instintos naturais de sobrevivência no enclausuramento, tropece na criação desses laços. E quando determinado personagem pergunta a outro “Como chegamos aqui?” ao se referir à sua relação desgastada, só podemos nos perguntar a mesma coisa.
O seriado vive de um curioso paradoxo: a rápida construção de relações nos primeiros episódios, que constantemente nos faz questionar a ação daquele personagem perante outro, vem acompanhada de um lento ritmo narrativo, que não seria problemático se aproveitasse os momentos de tela em que nada significante acontece para investir no que deveria ser seu ponto mais forte. É por isso que, no terço final da série, precisamos apenas aceitar que a tensão, mesmo instigante, foi arremessada em nós, não administrada com envolvimento.
Tais problemas não são amenizados pelo engessado trabalho do ator por trás do protagonista Kevin (Morgan Spector), que perde lugar em cena para o bom intérprete de Adrian (Russel Posner). Temos ainda a intrigante Nathalie (Frances Conroy), principal responsável pelos questionamentos sobre o poder da religião em momentos de desespero, mas cuja interessante construção acaba servindo apenas como ponte de roteiro para outro personagem.
Também há uma eficiente atuação vista em Mia (Danica Curcic), protagonista de uma cena bem dirigida cuja principal referência está no terror. Entretanto, de passado e presente pouco explorados (na medida certa), tornando-a uma incógnita, a personagem é mais uma vítima das relações mal estabelecidas pelo roteiro, nos fazendo inicialmente duvidar (e posteriormente aceitar à força) da sua interação com Bryan (Okezie Morro), este também outro caso dos problemas já citados.
Por fim, chegamos ao problema mais notável do seriado: os grotescos efeitos visuais, ultrapassados mesmo para o baixo orçamento da televisão. A própria névoa traz uma artificialidade absurdamente incômoda, gerando cenas que são “horripilantes” apenas pela pieguice visual. E nem mesmo os bons planos fixos de enquadramento usados pela série são capazes de nos trazer qualquer sensação de valor estético.
Divertido para um telespectador descompromissado que perdoe falhas de roteiro que vão desde a atitude questionável de personagens até a consistência da névoa (por que ela pode passar por uma fechadura, mas não pela brecha nas bordas de uma porta?), O Nevoeiro entende o que deve ser, mas se perde ao investir em uma personalidade que jamais deveria ser sua, no lugar de suas virtudes.
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