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O Mecanismo: Entre polêmicas políticas e qualidade questionável

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O Mecanismo talvez seja uma das séries mais esperadas deste ano pelos amantes do cinema brasileiro. Isso porque temos a participação na direção e criação José Padilha, aquele quem nos trouxe diversas produções em peso que repercutiram internacionalmente, tais como: Tropa de Elite 1 e 2, Narcos, dentre outros. Vale ressaltar que estamos falando de uma obra polêmica, ficcional e que trouxe grandes repercussões das redes sociais, porém, mais por questões ideológicas do que pelos aspectos técnicos cinematográficos e narrativos da série.

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O Mecanismo: Entre polêmicas políticas e qualidade questionável

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Além disso, a série recheou os trailers com a participação de Selton Mello, ator e diretor que nos encantou com diversas atuações em vários filmes icônicos nacionais: O Auto da Compadecida, Lisbela e o Prisioneiro, O Palhaço e O Filme da Minha Vida. Uma combinação desses dois grandes nomes que já conquistaram muitos de nós, teoricamente, deveria resultar em uma obra grandiosa e marcante. Infelizmente, não foi isso que ocorreu. Primeiramente, vamos analisar os aspectos polêmicos e ideológicos da série para, posteriormente, analisar sua parte técnica.

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Logo no início de cada episódio encontramos uma mensagem que deixa bem claro que a série tem um caráter ficcional: “Este programa é uma obra de ficção inspirada livremente em fatos reais. Personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático.” Mensagens semelhantes como essas são encontradas em outras obras, como Narcos e South Park, para fins de evitar processos de terceiros. Acontece que uma obra adaptada como essa carrega elementos verídicos e elementos adaptados, ou seja, não sabemos até onde um determinado evento, discurso, ou ação, é ficcional ou um fragmento do real. Muitos estudiosos ainda atribuem esse tipo de obra como uma “ficção documental”. 

Um primeiro questionamento perpassa da ideia de que, será que os eventos da política brasileira realmente têm uma necessidade de mudanças para um efeito dramático? Ora, por vezes brincamos que os produtores de House of Cards, série lançada pela Netflix, precisavam aprender conosco. Na internet criaram aberturas fantásticas feitas pelos fãs adaptando a obra para o Brasil. Talvez, se fosse feito um estudo mais aprofundado e aproveitando o caráter longínquo de produção de uma série, fosse possível fazer algo muito mais impactante e dramático, não? Até porque a política brasileira por vezes caminha entre uma novela mexicana e uma tragédia grega. Ora, onde assistimos essa série? Todos os dias, nos jornais. 

Pois bem, mas foi uma escolha dos criadores de fazer algumas alterações para dar esse efeito dramático. Isso faz com que ela fuja um pouco mais da realidade, não sendo tão semelhante de filmes como Tropa de Elite, Carandiru, Cidade de Deus, entre outros - são obras ficcionais igualmente inspiradas em questões/eventos sociais reais, mas com uma qualidade tão esmeril que em sua “ficção documental” caminha os nossos olhos para uma crença de que aquilo se trata de uma realidade. Não como um material documental que apresenta poder para nos convencer mais facilmente, mas que nos abre os olhos para diversas realidades concretas e atuais impressas em uma ficção envolvente.

Logo, a obra caminha para um caráter muito mais de ficção do que do real. Ora, essa proposta apresentada pela própria série no início de cada episódio, não? Exatamente! Então, não haveria nenhum problema, certo? Mais ou menos. O primeiro ponto em questão é que a maioria das pessoas visualiza aquela imagem no início dos episódios como uma espécie de barreira de proteção para a obra no sentido de: “Eu vou falar aqui muitas verdades, se eu equivocar-me, tem aqui meu auxiliar defensivo jurídico.” E veja, Padilha fez algo muito semelhante anteriormente, e chegou a denunciar o esquema de corrupção policial do Rio de Janeiro com detalhes! 

Claro que ele não chegou a usar uma mensagem dessas como usou em Narcos, e todos nós sabíamos que Tropa de Elite era uma ficção, mas sabíamos que gigantesca parte das informações ali era real. Foi algo tão corajoso que o próprio Padilha sofreu atentados de morte/sequestro e isso se tornou um dos fatores que fez o mesmo morar fora do país junto à família. Todos esperavam dessa obra algo semelhante ao Tropa de Elite, uma ficção com informações reais, temperadas com ar documental, como ele fizera antes. 

E porque as pessoas esperavam isso? 

Bem, primeiro a estrutura narrativa introdutória é a mesma de Tropa de Elite, nada de novo: temos um policial cansado e estressado com a corrupção brasileira que participa da introdução da série como narrador em primeira pessoa, falando palavrões e desmascarando agentes corruptos. A estratégia de deixar a voz de Mello mais pesada foi à mesma usada com Wagner Moura; temos uma voz mais grave, um timbre mais forte, ressalta o estresse e o cansaço do personagem em questão. E, segundo, que boa parte do público almejava um “Tropa de Elite 3” sobre os dias de hoje, considerando toda essa onda de investigação. Quem melhor do que Padilha para voltar a ter coragem de desmascarar esquemas de corrupção brasileira impressos em uma ficção banhada de verdades?

“Certo, mas ele não é obrigado a nada. Ele quis fazer assim e pronto. Decepcionou alguns, é uma pena.” Verdade! Porém, vamos a um terceiro ponto:

Estamos em um ano de eleição presidencial extremamente sensível e complicado por diversas questões atreladas às crises políticas e econômicas do país. Nunca as questões políticas foram tão debatidas em um espaço democrático como existe nos dias de hoje. Junto a isso, temos um amplo campo corrupto de propagação de “fake news” sobre várias figuras políticas e acontecimentos. A obra de O Mecanismo se apossa de falas conhecidas de agentes políticos comprometidos, que são bombardeadas em informações na internet e muda aquele quem as proferiu. A ficção que procura um ar dramático auxilia nas estruturas corruptas de criação de falsas notícias. E, bem aqui, temos um problema grave. 

Padilha poderia fazer a série da forma como ele quisesse, esse não é o problema. A questão aqui perpassa na responsabilidade social referente a essa obra. Sobre como ela foi feita, as modificações que foram feitas, pegando personagens reais e trocando a fala entre eles, falas que as pessoas leem todos os dias nas redes sociais, mas que muitas vezes confundem os emissores e essa obra contribui para isso. Juntando esses elementos ao contexto político do país, essa série agrava problemas sérios de informação da população. Além disso, a forma como ela é contada torna-se um pouco bobinha; há muita pressa em chegar aos dias atuais, o salto temporal trás tudo para o agora, o câncer que parecer ser algo super complexo e antigo, que esta sendo investigado, afunila demais em uma síntese que soa simples e infantil. 

Antes de encerrar essa parte sobre a polêmica política, faz-se necessário pontuar aqui que não cabe neste escrito posicionar-se contra ou a favor da obra. Não tomamos posição sobre o boicote que alguns iniciaram contra a Netflix, no mais, vale ressaltar a diferença entre boicote e censura que muitos estão confundido. O primeiro tem uma instancia coletiva populacional e voluntária, o segundo não necessita de uma massa de pessoas e, na maioria vezes, não teve caráter voluntário. Essa primeira parte desse exposto perpassa apenas uma reflexão sobre a polêmica gerada pela série, desconsiderando todo e qualquer argumento que a torne irrelevante esse assunto de ser debatido. 
Agora, vamos à série na sua estrutura técnica!

O início da série é muito instável, corrido e desequilibrado. A ideia que se tem é que se trata do final da trama, ou da temporada, e tudo vai voltar a um início para chegar naquele ponto. Parece que tudo será explicado, que haverá uma ambientação da situação e dos personagens e, bem, não acontece. Os personagens, apesar de algumas características fortes, porém, mal exploradas, são extremamente superficiais e a trama chega a soar tola na sua estrutura visual-narrativa: advogado do doleiro bilionário/milionário andando de moto e tratando aquilo como algo de valor alto, esse mesmo doleiro frequentando locais de classe média e tendo residências nos primeiros andares de um prédio de poucos pavimentos... O que se vê e como eles agem não convencem que aqueles personagens são ricos e poderosos. Todos esses elementos não parecem caracterizar pessoas que se banham de dinheiro do crime. 

Os diálogos curtos e despretensiosos parecem almejar a função de explicar relacionamentos profundos que ocorrem entre o Ruffo, sua mulher e o Doleiro, que não funcionam de forma alguma. Isso resulta em personagens superficiais com características interessantes, mas extremamente mal exploradas. Não há uma ambientação nem do passado dos personagens e, muito menos, do presente. Ruffo parece “teleportar” para onde está toda e qualquer pessoa do seu próximo objetivo, como se ele soubesse onde estão tudo e todos que ele procura a todo o momento, sem nenhuma dificuldade aparente. Tudo corre muito rápido, muito jogado, com direito a saltos temporais micros e macros a todo instante. Não há tempo de sentir as perdas, de se apegar a nada, de vibrar com uma vitória e etc.

As frases de efeito não têm peso, nem mesmo os bordões dos protagonistas, pois não temos tempo de nos afeiçoar a eles e seus esforços. Estes diálogos se tornam batidos e irrelevantes. No mais, eles são estruturados de forma que lembra elementos da novela: fala de lá, rebate de cada. Tudo no tempo correto, direitinho, arrumadinho, nada muito natural, chega a soar mecanizado. E, depois de tudo isso, o elemento mais interessante da série se afasta e temos o maior salto temporal da obra. É como se houvesse uma pressa muito grande em chegar aos dias atuais, explicar algo complexo de forma simples, um erro infantil. 

O som da série é um pouco estranho, levemente desequilibrado, em alguns momentos é recomendável o uso de legendas para entender os personagens. O melhor deste recurso está na narrativa de Ruffo em primeira pessoa, extremamente semelhante à técnica usada em Tropa de Elite, como dito anteriormente. A trilha sonora é convidativa, entra nos momentos certos de tensão que, por cota dos aspectos narrativos, não é tão eficaz. A melhor atuação é carregada por Mello que, por alguma razão, parece muito mal aproveitado. Seu trabalho, apesar de positivo para a obra sendo um dos pontos mais marcantes, lembra um pouco a do filme Federal (2010), não sobre a comparação dos personagens, mas a robotização das falas e ações, todavia, a causa desses fatores aparenta ser externas ao próprio ator.

Sobre esses fatores externos prejudiciais, o que mais se destaca é a montagem, os cortes bruscos e os saltos temporais incomodam bastante. Cada cena tem um tempo muito curto e minimamente funcional, não deixando os atores desenvolverem a situação e prejudicando a imersão na obra. A fotografia faz seu trabalho com grandeza, sendo um dos aspectos técnicos mais relevantes da obra, tendo planos de detalhe e primeira pessoa extremamente vibrantes. É uma pena que a montagem não consiga dialogar com a mesma. 

Em suma, o maior fator prejudicial da obra é a pressa da metodologia narrativa adotada na série, como se fosse necessário chegar a um ponto com uma destreza irracional. Todo esse esforço deixa seus agentes de atuação superficiais e a trama levemente confusa e infantil. Esse erro é normal em filmes que têm muita coisa para mostrar e não se dividem em partes; são prejudicados por conta da falta de tempo. Aqui, como estamos falando de uma série que pode ter vários episódios e temporadas, torna-se difícil perceber o porquê dessa postura adotada.

Analisando todo esse contexto, O Mecanismo aparenta fazer bem mais sucesso devido à polêmica política gerada do que por conta de sua qualidade em si. Dessa forma, talvez os movimentos de boicote estejam, na verdade, ajudando a propagar a série e seus realizadores nem se deem conta disso. Ademais, muitos a defendem como uma série de qualidade mais por um viés político ideológico do que como uma obra de audiovisual em si. Vale ressaltar que o inverso do mesmo também ocorre, grupos que diminuem o potencial da série por uma questão partidária política. Tudo isso se torna um debate pobre sobre a obra, pois nesse caso paramos de falar sobre ela, suas consequências sociais e relevâncias artísticas. Nós voltamos a falar sobre que grupo de pessoas simpatizantes a partidos compra, ou não, a ideia que foi apresentada.

Apesar das inconsequências quanto as manobras utilizadas para propor um “efeito dramático”, torna-se questionável o boicote como uma resposta a altura, pois é um movimento extremamente radical contra a empresa. Toda essa manobra popular parece inflar aquilo que queria prejudicar, além de não corresponder a um método eficaz em si. Até agora, nenhum dos produtores, nem a Netflix, parecem prejudicados. A empresa de streaming oferece um sistema de feedback semelhante ao do Facebook de “like e dislike”, que serve para receber um feedback do seu público. Porque não apenas expor críticas coesas e severas a série, evitar finalizá-la, ou não acompanhar as outras temporadas e propagar o seu dislike? Com o tempo a empresa entenderia que aquela série talvez não esteja agradando um público considerável e repense seu futuro, certo?

Seja como for, independente de questões políticas, existem vários pontos negativos e questionáveis sobre essa tão esperada série que decepcionou muitos de nós. 

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