São muitos (às vezes até demasiados), os filmes que revivem a Segunda Guerra Mundial e seus acontecimentos em territórios já padrões. Japão, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e Rússia estão sempre em destaque na narração desse acontecimento, o que cria uma rotina e uma visão quase unilateral de um grupo pré-definido. A quantidade é tão vasta que é possível criar uma classificação para o tema. Por essas e outras que a audácia - ouso dizer -, do diretor Pawel Pawlikowski (mais conhecido por seu filme Ida) de construir enredo em torno da Guerra Fria na Polônia deve ser reconhecida, não só pela coragem em si, mas pelo êxito em seu resultado.
Crítica: Guerra Fria (2018)
O retrato, e a beleza, da guerra improvável
A Polônia da década de 50, oficialmente República Popular de Polônia, foi marcada pela consolidação do Estado Socialista e pelas repercussões da Segunda Guerra. Desta forma, um grupo de produtores artistas decidem construir um grupo musical para reviver a tradição camponesa do interior do país, mas que é surpreendido, após o sucesso do concerto, com a obrigação de realizar propagandas políticas a favor do governo da época. Entre eles, o músico Wiktor Warski (Tomasz Kot), que desde o começo não nega sua surpresa pelo gênio espirituoso e pela voz magnífica de Zula Linchon (Joanna Kulig). Por meio desses personagens e de seus retratos, que se transformam em protagonistas e secundários ao mesmo tempo, a história é contada e narrada no período de 15 anos.
O diretor vai além do tradicional e, por meio da tela quadrada - como um retrato -, e do preto e branco, ideal para ressaltar a fotografia do longa, exibe cenas sensíveis e belíssimas combinadas à trilha sonora, quase toda representada pelo grupo musical. Mas são os personagens, suas personalidades e os acontecimentos que giram em torno do individual que podemos obter um reflexo do coletivo. Prisões políticas, exílios, propagandas e a resistência boêmia representam o caos silencioso e a calma inquietante que é a Polônia retratada por Pawlikowski.
Os cortes inesperados entre as cenas são jogadas de ouro, pois ajudam a combinar a música alta, que apesar de preciosa, gera uma pertubação, com o silêncio absoluto do próximo quadro, que consegue ser ainda mais inquietante. Mas ao contrário do que poderia ser pelo gênero e pela quantidade de anos que passa em somente 87 minutos de cena, o filme é leve, sensível e prazeroso. As separações dos personagens são transformadas em contextos para a representação da Europa pós-guerra e são por meio desses retratos fragmentados, que em momento algum perdem seu foco ou confundem, que o filme se constrói. O objetivo não é que nos apaixonemos pela história do casal, que é desenvolvida sem grandes explicações ou cuidado, mas sim pelo que eles representam.
O filme passa devagar, mas na medida certa. Não apressa acontecimentos importantes e não despreza os pequenos detalhes que estão nas cenas mais "insignificantes", mas ao mesmo tempo tão cheias de significados. E fica claro desde o começo o protagonismo e o destaque de Kulig, que não só cativa Wiktor em sua personagem, mas conquista identificação com o espectador.
E o final... Bom, não há palavras tão concretas que possam defini-lo sem entregar a beleza que carrega, na medida certa entre o inesperado e a conclusão merecida e ao mesmo tempo tão injusta de uma história que vai muito além de um simples relato de amor.
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