Ano passado eu tive o prazer de realizar uma maratona da
franquia Rocky com a minha família, algo que nos preparou espiritualmente para
conferir Creed 2, filme que marca a despedida de Sylvester Stallone no papel do
lutador mais famoso da história do cinema.
No primeiro filme, dirigido por John G. Avildsen, conhecemos Rocky
Balboa, um lutador de rua que ganha a vida transitando entre os ringues e as
extorsões que faz para agiotas da Filadélfia. Com este começo dramático,
que enfatiza uma cidade diferente da mostrada dos cartões-postais, Rocky recebe
um convite inesperado: lutar contra o campeão da liga mundial, Apollo Creed,
lutador já cansado de derrotar todos e que dá uma chance ao desconhecido
Balboa. Pensando em mudar de vida, o conhecido nas ruas como “Garanhão Italiano”
aceita o convite.
Com a falta de dinheiro da produção, que contou apenas com míseros
US$ 1.000.000 (baixíssimo orçamento até para obras “B”), Rocky é claramente um filme de poucos recursos dos anos 1970. O longa, para preencher a luta inicial e a final, neste
caso, usou o baixo orçamento a seu favor e tornou toda iluminação, cenários e
figurinos em uma série de elementos baratos, que, apesar de representarem a
falta de dinheiro, mostram a vida dura dos personagens principais. Não por
acaso que Creed, o vilão do filme, pouco aparece em tela, já que
ele representa justamente o lado rico da obra e do universo de Balboa.
Usar do pouco dinheiro para transformar a história em um longa sobre pessoas de poucos dotes já torna a obra genial, mas, felizmente, o roteiro de
Stallone é ainda mais soberbo. Seu texto apresenta inúmeras ideias corajosas para o
momento em crise dos Estados Unidos, como o desemprego, a propensão para o
crime, as más companhias, a repressão sexual, o machismo, a violência contra a
mulher, o mal uso de entorpecentes etc. Tudo está lá como uma crítica de um estado
esquecido durante a crise econômica.
Não por acaso que Carl Weathers, interprete de Creed, surge
na luta final vestido de Tio Sam e com a bandeira dos EUA no calção, quando o
fim da segregação racial tinha ocorrido há menos de dez anos do filme. Além
disso, o roteiro oferece o sonho americano para o lutador branco de subúrbio e
criminoso, algo que, ironicamente, subverte com a criação do clichê e de
expectativa.
Por essas e outras razões, Rocky é um filme incrível. As atuações,
por exemplo, são todas magistrais, garantindo identificação com o espectador e
um drama intenso. Stallone, com a sua fala arrastada, gestos simples e traquejo
social enrustido, oferece um herói que foge do padrão que viria
surgir anos mais tarde nos anos 1980. Em Rocky, o astro interpreta
um homem cheio de medos e com um carisma contagiante.
Rocky é uma aula de cinema e que, através de um
roteiro apaixonante, consegue enfatizar que podemos vencer qualquer luta,
apesar de apanharmos fisicamente, moralmente e intelectualmente todos os dias
no nosso pior momento. A ideia é não desistir.
Em outras palavras: que satisfação prazerosa conferir essa
obra em um ano tão opressor e maléfico como foi 2018. Rocky dá força pra
continuar apanhando e revidando.
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