Há um mistério bonito entre os olhares de Lucas Hedges e Julia Roberts, filho e mãe nessa história, que constrói por cima das mesmices um filme sobre o afeto como dispositivo de coragem. Como expõe o título, a história é exatamente sobre o retorno de Ben, sobre como o olhar de Holly é retribuído por alguém que já foi mais filho que um desconhecido, hoje um ex-viciado em drogas que decidiu encarar a velha vida. Talvez ele tenha se transformado, talvez seja o mesmo, e independente da resposta, talvez precise de apoio - mas de quem? Aos poucos vamos descobrindo porque essa história não é exclusivamente sobre Ben, filho de um passado que ainda existe nas bordas e que embora esteja lá, só a mãe parece realmente ver.
A chegada de Ben, nos primeiros minutos, já diz muito sobre os limites dessa aproximação e deixa as pequenas dúvidas que guiam a história adiante. O contraste entre a emoção de Holly e aparente pureza de Ben, e a hostilidade da irmã e do padrasto alcança uma pergunta que é até recorrente nos filmes sobre o tema: que feridas o processo até a partida realmente deixou nessas pessoas? Mas Querido Menino, por exemplo, lançado no mesmo ano com Chalamet e Steve Carrell, pouco é sobre pai e filho, e mais sobre como as drogas podem destruir a juventude. Já o filme de Peter Hedges utiliza esse argumento para falar sobre o afeto exclusivo à mãe, e a visão não precisa se expor de forma moralista para alcançar essa projeção.
No entanto, é exatamente por ser muito resolvido dentro dessa fórmula (mãe ama o filho problemático) que a história não sente vontade de sair disso, de trazer uma emoção realmente nova além das atuações que a sustenta. Na longa sequência da procura pelo cachorro, por exemplo, está toda a essência de suas relações, descoberta muito cedo e filmada com um tom de thriller. Uma perseguição que parece pôr em conflito até onde a confiança dessa mãe pode ir numa sucessão de pequenos erros que vão surgindo.
A tensão na direção de Peter pouco engata nesse momento, pois sabemos exatamente aonde quer chegar: a imagem da mãe desesperada e solitária na resistência de ainda acreditar. Isso não é um problema, claro, só que exige pouquíssimo de seu roteiro que ainda investe em uma missão paralela de Ben. Se não fosse os olhares de Lucas e Roberts, capazes de reconstruírem sozinhos um conflito subjetivo ao espectador, essa história teria uma experiência engessada.
Para que essa centelha pegue fogo, nem mesmo vêm à luz a trilha sonora, a fotografia na neve, o contexto natalino, as tramas paralelas ou os personagens coadjuvantes. É só Lucas e Roberts que fazem dessa história algo real e provavelmente suficiente aos sensíveis. Claro que há uma mensagem incrustada ao fim, mas sem o desleixo de Querido Menino e sequer é sobre o filho. A última cena é tão íntima e corajosa quanto vulgar e trivial, porque resiste ao sentimento que há tão escondido entre os dois.
Em certo ponto, é gratificante que essa dependência dos atores não faça dessa uma obra de desenvoltura teatral. Sem grandes diálogos ou hipérboles dramáticas, é um filme conduzido pela expectativa e validado por tudo que possamos já prever - afinal, não são muitos caminhos que uma história "simpática" possa tomar entre mãe e filho -, e é esse aspecto que conduz a sensação agridoce. Não cansa ou surpreende, mas alcança a contradição de afagar o coração, pintar pensamentos sobre erros nossos ou de quem amamos, uma reflexão bonita e ordinária sobre até onde poderíamos nos pôr em risco. Básico, emocionante e rotineiro, exatamente como os nossos dias tão recheados de tédio.
O Retorno de Ben (2019): A resistência do afeto
CRÍTICA
A chegada de Ben, nos primeiros minutos, já diz muito sobre os limites dessa aproximação e deixa as pequenas dúvidas que guiam a história adiante. O contraste entre a emoção de Holly e aparente pureza de Ben, e a hostilidade da irmã e do padrasto alcança uma pergunta que é até recorrente nos filmes sobre o tema: que feridas o processo até a partida realmente deixou nessas pessoas? Mas Querido Menino, por exemplo, lançado no mesmo ano com Chalamet e Steve Carrell, pouco é sobre pai e filho, e mais sobre como as drogas podem destruir a juventude. Já o filme de Peter Hedges utiliza esse argumento para falar sobre o afeto exclusivo à mãe, e a visão não precisa se expor de forma moralista para alcançar essa projeção.
No entanto, é exatamente por ser muito resolvido dentro dessa fórmula (mãe ama o filho problemático) que a história não sente vontade de sair disso, de trazer uma emoção realmente nova além das atuações que a sustenta. Na longa sequência da procura pelo cachorro, por exemplo, está toda a essência de suas relações, descoberta muito cedo e filmada com um tom de thriller. Uma perseguição que parece pôr em conflito até onde a confiança dessa mãe pode ir numa sucessão de pequenos erros que vão surgindo.
A tensão na direção de Peter pouco engata nesse momento, pois sabemos exatamente aonde quer chegar: a imagem da mãe desesperada e solitária na resistência de ainda acreditar. Isso não é um problema, claro, só que exige pouquíssimo de seu roteiro que ainda investe em uma missão paralela de Ben. Se não fosse os olhares de Lucas e Roberts, capazes de reconstruírem sozinhos um conflito subjetivo ao espectador, essa história teria uma experiência engessada.
Para que essa centelha pegue fogo, nem mesmo vêm à luz a trilha sonora, a fotografia na neve, o contexto natalino, as tramas paralelas ou os personagens coadjuvantes. É só Lucas e Roberts que fazem dessa história algo real e provavelmente suficiente aos sensíveis. Claro que há uma mensagem incrustada ao fim, mas sem o desleixo de Querido Menino e sequer é sobre o filho. A última cena é tão íntima e corajosa quanto vulgar e trivial, porque resiste ao sentimento que há tão escondido entre os dois.
Em certo ponto, é gratificante que essa dependência dos atores não faça dessa uma obra de desenvoltura teatral. Sem grandes diálogos ou hipérboles dramáticas, é um filme conduzido pela expectativa e validado por tudo que possamos já prever - afinal, não são muitos caminhos que uma história "simpática" possa tomar entre mãe e filho -, e é esse aspecto que conduz a sensação agridoce. Não cansa ou surpreende, mas alcança a contradição de afagar o coração, pintar pensamentos sobre erros nossos ou de quem amamos, uma reflexão bonita e ordinária sobre até onde poderíamos nos pôr em risco. Básico, emocionante e rotineiro, exatamente como os nossos dias tão recheados de tédio.
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