Idealizado em um cinema pós-guerra, Godzilla sempre
representou um dos monstros mais imponentes da história do cinema, uma vez que
servia de metáfora para o sofrimento eterno dos japoneses, que tanto perderam em
Hiroshima e Nagazaki, em 1945. Gojira, filme de 1954, apesar de
datado em seus efeitos visuais, continua tão atual e crítico, como se as
cicatrizes da chacina coletiva estivessem no cerne da cultura oriental.
Godzilla 2: Rei dos Monstros: Farofa que agrada pelo visual, mas engana no sabor
CRÍTICA
Não demoraria muito para que os norte-americanos (os agentes
do caos durante o sofrimento japonês) se apossassem e criassem uma nova franquia
para o monstro, que, ano após ano, se tornou mais que uma piada. Motivo de chacota,
o lagartão protagonizou dezenas de filmes abaixo da média e originou vários
memes absurdamente cômicos que podem ser encontrados facilmente no Youtube.
Com uma segunda chance em Hollywood, Godzilla teve a
oportunidade brilhar em 2014. Dirigido por Gareth Edwards, a obra pouco se
aproximava do original e se inspirava em Jurassic Park, filme que pouco mostra,
de fato, os monstros. Uma reclamação recorrente, por sinal, foi a falta de
impacto. Como criar um filme catástrofe sem apresentar o grande protagonista?
Em Godzilla ll: Rei dos Monstros, o diretor Michael
Dougherty nitidamente se diverte em um cenário que emula constantemente o
horror vivido pelos japoneses. A obra, apesar de pouco inventiva ou dramática,
como o primeiro filme, é uma viagem alucinante de destruição e entretenimento
barato, que, por mais divertido que seja, não se distancia do tradicional produto de final de semana.
Pelo menos, a trama ajuda na desculpa de criar inúmeras
sequências de ação, logo que vários monstros acordam e seguem o dragão-demônio-alienígena-kaiju
King Ghidorah, um monstro extremamente bem feito visualmente e que tem um dos
rugidos mais imponentes do gênero. Cabendo, desse modo, ao personagem título
entrar na guerra pela dominação mundial e derrotar, com o apoio dos humanos, a
criatura de três cabeças.
Por sorte, nenhuma batalha ou ataque dos bichos passa sem
ser algo absurdamente arrepiante. Para a equipe de produção dos efeitos
sonoros, por exemplo, devo confessar que Rei dos Monstros deu um trabalho. É
tudo escutável, desde os rugidos, até o som de gritos e de carros
batendo nas pessoas. A cena que se passa no México, por exemplo, é eficaz por
desenvolver rapidamente um senso de desespero nos personagens e uma enorme
sequência de ação que começa em uma montanha e acaba dentro do mar. Tudo é entendível
e visualmente impressionante. Mérito pra fotografia e mises-en-scene que deixa
tudo orgânico e limpo o suficiente para ser compreensível, ainda que o filme se
passe 80% do tempo debaixo de raios e tornados.
Os problemas, infelizmente, se concentram nas
inúmeras conveniências e explicações que os personagens se dedicam. Toda batalha
é descrita antes, durante e depois por um grupo que está disposto a entendê-la
e explicá-la para o público. O roteiro força motivações e desenvolvimentos que
não fazem o mínimo sentido e usa a desculpa esfarrapada de criar conceitos que
não cabem no mundo criado pelo filme.
Vilões ecoterroristas, por favor, não!!!
Vilões ecoterroristas, por favor, não!!!
Competente em criar medo e calafrios nos embates entre o
protagonista e o vilão, Godzilla ll é uma obra a ser estudada. É eficaz em criar homenagens
constantes ao original, incluindo o conceito do destruidor de oxigênio, do
contato entre um herói japonês e o monstro e até mesmo a trilha sonora do
clássico filme de 54. Mas do que me adianta tudo isso se o diretor não entende que filmes catástrofes não são para ser divertidos... Eles existem para
causar temor.
O roteiro, desse modo, entende todo o pornô constante de destruição, visto que a paleta de cores deixa tudo muito visível nas mortes dos personagens, mas não garante o drama para eles, fator grosseiro que mata os seus heróis e vilões sem o mínimo de consideração ou desenvolvimento pelos mesmos, algo que o primeiro filme dessa franquia fez tão sabiamente ao matar o personagem de Brian Criston logo em sua primeira metade.
O roteiro, desse modo, entende todo o pornô constante de destruição, visto que a paleta de cores deixa tudo muito visível nas mortes dos personagens, mas não garante o drama para eles, fator grosseiro que mata os seus heróis e vilões sem o mínimo de consideração ou desenvolvimento pelos mesmos, algo que o primeiro filme dessa franquia fez tão sabiamente ao matar o personagem de Brian Criston logo em sua primeira metade.
Não adianta encher a obra com inúmeras referências, como
o nascimento do Rodan, que surgiu de um vulcão, assim como no filme antigo, ou
com o nascimento de Gidorah, que fica na Antártida, no posto avançado 31, ao
lado do posto avançado 32, onde acontece Enigma do Outro Mundo, filme de terror
sobre alienígenas. O roteiro não pode ser a enganação constante de agradar os
fãs, enquanto se esquece dos que não entendem da mitologia.
E a referência ao Pazuzu de O Exorcista? Essa foi rápida e
tive que revisitar o filme para conferir se estava certo. Gratuita e
exibicionista, como grande parte do produto.
É uma obra memorável? Em suas lutas, sim. No seu
desenvolvimento e texto, infelizmente, o épico é tão pobre quanto os outros 20
filmes do monstro. Godzilla merece mais do que apanhar e ser rei. Ele merece
respeito.
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