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A Rainha de Copas: O mal-estar do amor

Quando tudo parece se ajustar, é incrível como, vez ou outra, a vida te dá mais uma rasteira, criando uma sucessão de tragédias, que, na teoria, pareciam fáceis de resolver, enquanto que, na prática, as coisas ficam ainda piores. Exatamente com essa ideia em mente que A Rainha de Copas se desenrola em seu drama que mostra uma família ficando podre por dentro quando uma criança e sua madrasta começam uma relação íntima, sem o pai descobrir, obviamente. 

Dona de um coração gigante, pronta para resolver os problemas dos outros, enquanto esquece dos seus, Anne personifica o estudo perfeito de personagem. Suas camadas vão surgindo com o desenvolvimento do filme, logo que vamos descobrindo aos poucos os seus pecados do passado e desejos para o futuro. Sem diálogos óbvios, o roteiro pontua como ela é um ser humano cheio de falhas, ainda que se esforce para ser a melhor mãe e esposa. 

A Rainha de Copas: O mal-estar do amor

  CRÍTICA  

O mérito é da atriz Trine Dyrholm, que apresenta uma personagem próxima de Isabelle Huppert em Elle, que tem fetiche no proibido. E nesse ponto surge Gustav, vivido por Gustav Lindh. Se mostrando como uma força da natureza, o ator enfatiza como ele pode ser odioso e amável na mesma intensidade. Logo no início, por exemplo, o personagem tem uma apresentação de repulsa, dado que surge como um péssimo filho. Com o passar dos atos, ele vai concebendo temor e desespero, criando tensão por aqueles que estão ao seu redor. Já no fim, o mesmo se mostra com uma sintonia perfeita entre o resto do elenco, onde se apresenta como uma das vítimas mais memoráveis de 2019, caso isso seja algum mérito. 



Em outras palavras: ele é um camaleão. Quando o ator chora, expressa a sua raiva ou felicidade, é inegável que o público não se emocione, logo que ele vive essa criança sem esquecer os traços de imaturidade e as gagueiras usuais quando nos apaixonamos ou sentimos medo, e é incrível como essa relação de sentimentos se misturam com frequência. 

E, apesar de sua estética previsível de cinema europeu, com longos planos de árvores balançando com o vento e de carros na estrada, o filme se destaca em seu texto que cria, como Hitchcock outrora, um clima de desconforto violentamente intenso. Do segundo ato para frente, em vista disso, é visível como o roteiro se mostra sem amarras diante das surpresas que vão surgindo, se destacando na tensa sequência em que a família conversa sobre o caso, por exemplo.

A Rainha de Copas, dirigido pela competente May el-Toukhy, é um filme de amor proibido que, como toda boa jornada de romance, termina em tragédia. É como Romeu e Julieta ou Tristão e Isolda. Eles sabiam que estavam sofrendo, mas isso não os atrapalhou. Em grande aflição, eles se apaixonaram e aquela história de que “quem ama o errado, certo lhe parece” ganha novos contornos no cinema dinamarquês.

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