Embora muitas vezes não estejamos preparados para o término das fases da vida, o fim de tudo nos rodeia presentemente. É difícil reconhecer e aceitar, porque não estamos preparados para sentir dor, e a sensação que causa, quando existe sentimento envolvido, é a de lança sobre a pele. Embora existam milhares de fórmulas que ensinam como enfrentar o luto pós-término, a dor é a inevitável parte necessária da vida. O luto passa por algumas fases que vão da negação, seguida pela raiva até chegar na aceitação, quando juntamos os cacos do que sobrou, jogamos fora e partimos novamente para a vida. E é justamente sobre esse drama da separação que "De Onde Te Vejo" trata.
Quando conhecemos Ana Lúcia (Denise Fraga) e Fábio (Domingos Montagner), entendemos que apesar de se separarem em comum acordo, eles não conseguem fugir das fases que remetem à separação. Estiveram juntos por 20 anos, têm uma filha que está prestes a ir para a faculdade e parecem dispostos a refazer a vida de maneira lúcida. Porém, ainda agarrados ao costume de verem-se diariamente durante tanto tempo, insistem em se manter juntos, caindo na armadilha de morarem um de frente para o outro, porta aberta para discussões ou dificuldades de enfrentamento da nova rotina. A cama parece grande e a janela do apartamento em frente parece o consolo para uma nova realidade que os assusta. É a mão em busca do outro na cama. Esse apego ao passado faz com que o casal sinta uma dificuldade maior do desapego.
Ana Lúcia é uma arquiteta que passa seus dias em busca de antigos prédios que possam ser demolidos. Sua atuação profissional tornou-se uma antítese do que desejava na juventude, quando veio para São Paulo, a cidade de pedra, tencionando deixa-la mais bonita aos olhos. Lúcia reconhece que em antigos prédios encontram-se não só paredes descascadas ou oportunidades de novos estacionamentos, mas também histórias de vida marcadas naqueles tijolos e dificilmente arrancadas da memória de seus viventes.
Alguns desses locais fizeram parte também da história de Lúcia e Pedro, como o cinema em que eles frequentavam e o restaurante onde sonhavam se casar. Tudo vira escombro e é possível fazer um paralelo entre a decadência da cidade, e sua ânsia de mudança e o relacionamento do casal, também em ruínas. São Paulo se desfaz do passado, e eles também devem erguer-se e seguir adiante. Mas aí vai uma questão: é mesmo necessário transformar antigas construções que serviram de abrigo e abrirem-se os terrenos para outras construções? É com alguma indagações sobre inevitabilidades que constrói-se o roteiro do filme dirigido por Luiz Villaça.
De Onde Te Vejo surge como uma das grandes surpresas de 2016 e o diretor encontra o tom certo entre a comédia e o drama, sendo possível tocar em assuntos delicados como a separação dos filhos, que saem do ninho e partem para construir as suas próprias histórias e a inevitável separação por desgaste, embora o amor ali permaneça. Cheio de clichês agradáveis e frases de efeitos, mostra que há maneiras e maneiras de tocar num assunto sem torna-lo piegas. As participações especiais de Laura Cardoso e Juca de Oliveira abrilhantam momentos de reflexão com suas frases prontas, porém efetivamente verdadeiras. "Às vezes ser feliz é ficar quieto", dirá a doce personagem interpretada pela veterana Laura, acalentando seu amor pela antiga casa e seus bichos. E talvez esse seja o melhor caminho para Lúcia e Pedro. Deixar que a vida escolha qual o melhor caminho para os dois.
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