Pular para o conteúdo principal

26º Cine Ceará | Comentários sobre os Longas Íberos-Americanos



O festival de curadoria respeitosa teve de tudo; ótimas, boas, e medianas produções em sua programação - reflexo das divergentes concepções narrativas pelos países concorrentes. De maneira geral, há uma preocupação evidente de abranger a maior quantidade de nacionalidades (o que parece prejudicar um pouco ao mesmo tempo que lhe imprime elogios) dividindo sempre espaço com obras nacionais. O que mais fica expresso após seu encerramento é a maneira proposital e natural com que cada uma de suas sessões, sempre unidas de curtas e longas, compartilham universos semelhantes; cada sessão tinha uma mensagem final estruturada e sustentada pelas obras que, mesmo que particularmente distintas, muito próximas.

Abaixo você confere breves comentários sobre os longas exibidos no 26º Cine Ceará 


AVÓ / Asier Altuna Iza. Ficção. 103’. DCP. Cor. Espanha. 2015

SinopseUma história familiar. O conflito entre pais e filhos, entre urbano e rural, entre passado e presente. Thomas e Amaia, pai e filha, duas formas opostas de entender a existência e uma avó que observa o mundo a partir do mais eloqüente dos silêncios.

Imagem relacionada

O drama espanhol falado em basco "Avó" constrói seu drama por cima de fantasias reais e muito profundas que trazem consigo o peso do conflito de seus personagens. Sensível e intenso, discorre sobre situações aparentemente corriqueiras que ganham traços decisivos de reflexão que transcendem seus sutis problemas de ritmo.

Avaliação: 4 de 5


EPITÁFIO / Yulene Olaizola e Rubén Imaz. Ficção. 82’. DCP. Cor. Mexico. 2015

Sinopse: Em 1519, antes de chegar à capital asteca Tenochitilán, três Conquistadores Espanhóis marcham para o pico do grande vulcão mexicano Popocatéptl, a 5400 metros de altura. É uma caminhada árdua, eles enfrentam a força da natureza e o medo do desconhecido, mas a missão é de grande interesse do exército de Hernán Cortés.

Resultado de imagem para EPITÁFIO / Yulene Olaizola e Rubén Imaz

Uma jornada real que se torna em certo ponto onírica, um ensaio sobre o sentimento de conquista que move homens a provar a si mesmo suas capacidades – ao mesmo tempo, uma ode à natureza, declarando sempre um temor ao seu poder imenso. Jornada de visual arrebatador, fotografado com pudor e montado com precisão. Mas, embora suas qualidades, um filme sem ritmo muito envolvente e erroneamente confiante de que seus personagens são suficiente para tornar a trama, de fato, inspiradora ou auto-motivadora. 

Avaliação: 3 de 5


MARESIA / Marcos Guttmann. Ficção. 77’. DCP. Cor. Brasil. 2015.

Sinopse: Um perito em arte, obcecado por um pintor mítico desaparecido há cinquenta anos, recebe a visita de um velho misterioso que diz ter conhecido o artista na juventude e apresenta um quadro para autenticação. Este encontro embaralha passado e presente, falso e verdadeiro.

Resultado de imagem para MARESIA / Marcos Guttmann

Ao trazer duas histórias que evoluem simultaneamente, suas transições são sempre precisas – sejam elas narrativas ou simplesmente visuais. Conta uma história breve de uma obsessão pelo passado; seu personagem principal fica sem saber, no entanto, que o passado lhe convive em vários momentos. O filme evidencia o quanto ele passa a respeitar o passado como algo imutável e sigiloso. Atores excepcionais e arcos dramáticos surpreendentes – seu desfecho carece de um compromisso maior com o personagem, mas sua sutileza convence a cada segundo.

Avaliação: 4 de 5



SALSIPUEDES / Ricardo Aguilar Navarro & Manolito Rodríguez. Drama. 95’. DCP. Cor. Panama. 2016

Sinopse: A história de um jovem que retorna ao seu bairro na Cidade do Panamá pela primeira vez desde sua infância no exílio, e se envolve com o legado maldito de seu pai criminoso.

Resultado de imagem para SALSIPUEDES / Ricardo Aguilar Navarro

Uma relação quebradiça entre Pai, Mãe e Filho se tornam foco do filme. O filho, ao voltar para sua terra natal, teme não reconhece-la – está de volta para redescobrir que vida foi aquela que deixou para trás e principalmente para refletir do porquê de tudo isso ter acontecido. Por que ele teve de ir? Tudo em volta do olhar eterno de um filho perante o pai – embora a antiga admiração que criava um falso sentimento de proximidade tenha sido danificada com o tempo desde que foi preso e sua mãe passou a declarar-se “oposição” à paternidade. Há uma situação não resolvida desde então – mágoas coexistem nos sentimentos de Andrés. Perante esse turbilhão de sentimentos, uma inconsistência assustadora acaba por se render a um registro novelesco e em sua maior parte sem qualquer verossimilhança - nada assombra mais que seu desfecho irresponsável.

Avaliação: 2 de 5


MENINO 23 / Belisario Franca. Documentário. 79’. DCP. Cor P&B. Brasil. 2015

Sinopse: A partir da descoberta de tijolos marcados com suásticas nazistas em uma fazenda no interior de São Paulo, o filme acompanha a investigação do historiador Sidney Aguilar e a descoberta de um fato assustador: durante os anos 1930, cinquenta meninos negros foram levados de um orfanato no Rio de Janeiro para a fazenda onde os tijolos foram encontrados. Lá, passaram a ser identificados por números e foram submetidos ao trabalho escravo por uma família que fazia parte da elite política e econômica do país, e que não escondia sua simpatia pelo ideário nazista. Dois sobreviventes dessa tragédia brasileira, Aloísio Silva (o “menino 23”) e Argemiro Santos, assim como a família de José Alves de Almeida (o “Dois”), revelam suas histórias pela primeira vez.

Resultado de imagem para MENINO 23 / Belisario Franca.

O filme acredita de maneira muito respeitável na capacidade de seus personagens de contar e "reprotagonizar" um passado tão sensível e de debate necessário. Optando por estender o drama que já é por si só assustador à interseções de ficção que são construídas com muito respeito, Belisário conclui algo responsável e que acaba por caminhar lentamente por uma história que se descobriu inesperadamente. 

Avaliação: 4 de 5



CASA BLANCA / Aleksandra Maciuszek. Documentário. 62’. DCP. Cor. México, Polônia, Cuba. 2015

Sinopse: Casa Blanca é um bairro de pescadores em frente ao porto de Havana. Nelsa e seu filho Vladimir vivem juntos em um edifício multi-familiar superlotado. Ela mal consegue andar. Ele tem síndrome de Down. Nelsa não tem ninguém exceto Vladimir para ajudá-la e Vladimir só tem Nelsa para tomar conta dele e mantê-lo longe das confusões quando ele sai pra beber rum e jogar baralho com os pescadores locais. Um dia, ela fica gravemente doente e eles têm que enfrentar um grande dilema.

Resultado de imagem para CASA BLANCA / Aleksandra Maciuszek

Sem uma responsabilidade muito clara, registra uma realidade com seus méritos dramáticos, mas sempre como um observador de sentimento duvidoso – interferindo em situações descabidas com um intuito evidente de construir a realidade que está atrás de registrar. Opaco, um filme que lhe resta de bom o que deveria lhe sustentar por inteiro: a realidade de seus personagens que, à parte, são extremamente interessantes.

Avaliação: 2 de 5



CLARISSE OU ALGUMA COISA SOBRE NÓS DOIS / Petrus Cariry. Ficção. 80’. DCP. Cor. Brasil. 2015

Sinopse: A árida pedreira e a floresta que ainda pulsa. Um pai muito doente revê a filha. Ressentimentos são postos à mesa. A memória dos mortos, despertada por sangue, objetos, sombras e sonhos, afeta Clarisse nesse cenário de beleza e agonia. Seu marido e os negócios a esperam na cidade para um desfecho catártico.



O maior impacto do festival, "Clarisse" bate o martelo: Petrus Cariry domina uma maneira única de construir e sustentar tensões sempre flertando com um cinema de gênero muito evidente. Para isso, evoca imagens estonteantes e significados sombrios. Para concluir a trilogia da morte, Petrus apresenta Clarisse, uma personagem desde a primeira vista muito apática e morna que, ao reviver relances do passado, deixa crescer dentro de si sua relação secreta de Morte e Desejo – herdada do pai que mata e empalha animais com facilidade. 

Essa conclusão catártica é acendida pelas lembranças de um passado mal resolvido onde a morte é a protagonista sombria. As experiências na casa sugerem que a violência é algo excitante para Clarisse – o que justifica a sexualização do seu corpo e até mesmo do pai – dono do sentimento. Porém, há um sentimento final (positivo e negativo ao mesmo tempo) comum na filmografia de Petrus: evidentemente sem a mesma precisão estética e sonora, sua narrativa poderia ser bem menor sem prejudicar a própria trama. Talvez fosse necessário ampliá-la para conter seus outros poderosos méritos.

Avaliação: 4,5 de 5


CLEVER / Federico Borgia e Guillermo Madeiro. Ficção. 83’. DCP. Cor. Uruguay. 2015

Sinopse: Uma aventura sem heróis. Clever, instrutor de artes marciais e pai divorciado, está obcecado com uns efeitos especiais que ele quer mandar pintar em seu carro. Para realizar o seu desejo deverá viajar para uma aldeia remota, onde aparentemente mora o artista capaz de fazer isso acontecer. Personagens excêntricos e misteriosos o levarão a um destino inesperado.

Resultado de imagem para CLEVER / Federico Borgia

Deixando de lado qualquer alarde, "Clever" é abertamente uma comédia de níveis delineados. Mesclando com um ambiente de suspense e faroeste, seu personagem segue uma jornada "road movie" atrás de um desejo que aceitamos desde o início da trama. Sua verossimilhança está atrelada ao humor de característica sóbria e inspirada. Embora os acontecimentos finais sejam comicamente geniais e inteiramente funcionais para a construção até aquele momento, a ponte criada para que aconteçam incomoda.

Avaliação: 3,5 de 5




PREMIAÇÃO

Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-Metragem

Melhor Longa-Metragem –  “Clever
Melhor Direção – “Maresia
Melhor Fotografia – “Avó
Melhor Montagem – “Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil
Melhor Roteiro – “Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil
Melhor Som – “Epitáfio
Melhor Trilha Sonora – “Clever
Melhor Direção de Arte – “Avó
Melhor Ator – Júlio Andrade – “Maresia
Melhor Atriz – Sabrina Greve –“Clarisse, ou alguma coisa sobre nós dois
Prêmio da Crítica (Abraccine) – “Avó

Mostra Competitiva Brasileira de Curta-Metragem

Melhor Curta-Metragem – “O teto sobre nós
Melhor Direção – “Índios no Poder
Melhor Roteiro – “Fotograma
Melhor Produção Cearense –“A festa dos cães
Prêmio da crítica (Abraccine) – “Fotograma

Mostra Olhar do Ceará

Melhor Curta-metragem – “Cinemão

PRÊMIOS ESPECIAIS

Prêmio Aquisição Canal Brasil

Melhor filme da Mostra Competitiva Brasileira de Curta-Metragem (R$ 15.000,00) – “USP 7%

Prêmio Olhar Universitário

Melhor Curta – “Janaína Overdrive
Melhor Longa – “Casa Blanca
Troféu Oscarito – “Fotograma

Prêmio Mistika (Masterização em DCP)

Melhor Filme da Mostra Competitiva Brasileira de Curtas-metragens – “O teto sobre nós
Melhor Curta-Metragem da Mostra Olhar do Ceará – “Cinemão

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Morte do Demônio (2013) | Reimaginação do "Conto Demoníaco"

The Evil Dead (EUA) Em 1981, Sam Raimi conseguiu realizar algo extraordinário. Com um orçamento baixíssimo (em volta de 1,5 mil), o diretor reinventou os filmes idealizados dentro de uma cabana com jovens e demônios. Além disso, ainda conseguiu fãs por todo o planeta que apreciavam a maneira simples e assustadora que o longa fora realizado. Em 2009, Raimi entrou em contato com Fede Alvarez por seu recente curta-metragem viral que rolava pela internet. A conversa acabou resultando na id eia de uma reinvenção do “conto” original de 1981. Liberdade foi dada à Alvarez para que tomasse conta da história. Percebe-se, a início, a garra deste para uma boa adaptação, no entanto, ainda peca por alguns problemas graves percebíveis tanto para quem é ou não é fã do original. Ao que tudo indicava, seria um Reboot. Mas se trata, na realidade, de uma (aparentemente) continuação audaciosa. A audácia já começa no pôster de divulgação: “O Filme Mais Aterrorizante que Você Verá Nesta Vida”...

Anúncio Oficial [Duas Faces do Cinema: Quarto Ato]

Desde que nós dois, Arthur Gadelha e Gabriel Amora, sentamos para decidir o nome do blog de cinema que escreveríamos a partir dali, e entramos no acordo que “Duas Faces do Cinema” intitularia o projeto, já sabíamos, mesmo sem dizer um para o outro, que ele não perduraria para sempre; não como principal. No entanto, assim que lançado, ainda com um fundo preto e branco, separando o casal principal do grande vencedor do Oscar, “O Artista”, a marca “Duas Faces do Cinema” ganhava espaço entre amigos e familiares.

O Retrato de Dorian Gray | Os segredos de Dorian

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde nasceu em 1854 em Dublin, estudou na Trinity College de Dublin e, posteriormente, no Magdalen College em Oxford. Seu único romance foi O retrato de Dorian Gray e seu sucesso como dramaturgo foi efêmero. Morreu em 1900 em Paris, três anos após ter sido libertado da prisão por ter sido pego em flagrante indecência.  O retrato de Dorian Gray foi publicado pela primeira vez em 1891 em formato de livro em uma versão bastante modificada do romance original de Oscar Wilde, pois foi considerado muito ousado para sua época. Já tinha sido editado quando publicado em série na revista literária Lippincott’s em 1890 e depois ainda foi alterado pelo próprio Wilde, que em resposta às duras críticas, fez sua própria edição para a publicação em livro. Estamos falando de uma Inglaterra do século XIX bastante tradicionalista e preconceituosa, assim, a versão original, tirada do manuscrito de Wilde, nunca havia vindo a público. Nicholas Frankel, professor de I...