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Mozart Freire: destaque do 26º Cine Ceará fala sobre projetos

A discussão de gênero e sexualidade foram a base para a estreia de Mozart no cinema de curta-metragem. Suas duas produções "Cinemão" (2015) e "Janaína Overdrive" (2016) foram uns dos grandes destaques da 26ª edição do Festival Cine Ceará que aconteceu entre os dias 16 e 22 de junho no Cinema do Dragão do Mar e no Cineteatro São Luiz. "Cinemão" venceu o prêmio de Melhor Curta do júri oficial da Mostra Olhar do Ceará e o Prêmio Mistika de masterização em DCP. "Janaína Overdrive" venceu o prêmio de Melhor Curta do Júri Universitário.

+ 26º Cine Ceará | Comentários sobre os Longas Íberos-Americanos

Depois do evento, Mozart Freire concedeu entrevista ao Quarto Ato, que você pode conferir abaixo:

Como surgiu a necessidade de dar vida à "Janaína Overdrive"? Foi um processo demorado, desde a concepção até ganhar forma?

Bem, meu primeiro curta se chama Cinemão e trata de relações homoafetivas em cinemas pornôs gays do centro da cidade de Fortaleza – CE. Nesse sentido, meu desejo com o Janaína Overdrive era continuar falando de gênero e sexualidade só que agora mobilizando referências da ficção científica. Acredito que o cinema de uma forma geral é um lugar machista, heteronormativo e nesse sentido eu quis tentar desconstruir esse imaginário no mundo cyberpunk. Hora! Se no contexto de um mundo cyberpunk há uma hibridização entre homem e máquina, planos materiais e virtuais, desfragmentação das instituições sociais, por que haveríamos de sustentar uma ideia de gênero heteronormativa? É de certa forma uma questão abordada de modo atemporal para se pensar o presente. Tentando nesse sentido mostrar outras possibilidades de sexualidade e protagonismo no cinema. Outros corpos possíveis.

Mozart Freire: destaque do 26º Cine Ceará fala sobre projetos



Que referências visuais, narrativas e/ou sonoras você pode citar como alicerces de "Janaína"?

Houve várias referências. Da literatura, sem sombra de duvida foi Willian Gibson com a tríade: Neuromancer, Count Zero e Mona Lisa Overdrive. Filmes como Blade Runner (1982) e Alien (1979) de Ridley Scott, Matrix (1999) das Irmãs Wachowski, 12 Macacos (1996) de Terry Gilliam. Tetsuo – O Homem de Ferro (1989) de Shinya Tsukamoto. A trilogia paulistana de neon-realismo Cidade Oculta (1986) de Chico Botelho, Anjos da Noite (1987), de Wilson Barros, e a Dama do Cine Shangay (1988) de Guilherme de Almeida Prado. Também houve muita influência de um jogo para vídeo game SNES chamado Shadowrun que também é um RPG de mesa. Animes como Ghost in Shell e Cawboy Bebop, Genocyber. As influências sonoras, são dois projetos aqui de Fortaleza, Intuición e Holocausto Cotidiano. Acredito que esses artistas em suas músicas trazem muito da atmosfera ciberpunk do filme.

Diante um estilo evidente de clima entre "Cinemão" e "Janaína", qual a maior dificuldade de criar (ou recriar) esses ambientes?

Acho que o clima do 'Cinemão' foi mais uma questão de dar a ver uma atmosfera erótica e ao mesmo tempo tensa, com muitos olhares e expressões corporais. Para tanto, foi realizado uma preparação de atores mais corporal e com compartilhamento de experiências e opiniões sobre sexo e relações dirigido pela atriz Hylnara Enny Vidal. Grande parte dos atores do curta já tinham frequentado um "Cinemão" e isso ajudou muito a gente a desenhar o clima. Já o 'Janaína' acredito que o clima é de suspense, meio thriller. Isso foi feito muito com uma preparação de atores mais focada nas cenas, trabalho realizado pela Nataly Rocha. Acho que a estética dos dois filmes tanto do 'Cinemão', quanto do 'Janaína' são semelhantes. Essa estética se deu muito pela parceria com o diretor de Fotografia Daniel Pustowka e com os montadores Abdiel Anselmo e Jônia Tércia. Todos trabalharam nos dois filmes. Com as trocas de referencias e diálogos e gente pensou algo com cores, iluminação marcada, sombras, muitas zonas de escuro. Movimentos de travelling, câmera mais parada. Dialogando entro o clássico e a experimentação. Isso para mostrar as tramas da noite, cidades noturnas, cidades plásticas de acontecimentos efêmeros e ao mesmo tempo intensa em suas relações.

Em ambos os projetos, devido a temática, você se deparou com algum preconceito tanto no processo de pré-produção, produção ou exibição?

Nas exibições do 'Cinemão' eu ficava muito atento a reação do publico e sempre ouvia comentários moralistas e machistas como se o filme fosse um atentado ao pudor. Em todas as exibições que estive presente vi senhores de meia idade saindo da sala constrangidos com algumas cenas do filme. Fico feliz com essas reações, fiquei pensando uma vez que o curta se tornou um dispositivo de detectar intolerância e homofobia na sala de exibição dos cinemas.

Fazendo uma observação sobre o 26º Cine Ceará, a presença do longa "Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois" de Petrus Cariry e do seu curta "Janaína Overdrive", ambas produções cearenses que vão contra toda possível representação do "ceará tradicional", evidencia uma expressividade considerável de que o cinema de um modo geral não pode estar preso à qualquer limite. Como você compreende a importância de que "Janaína Overdrive" tenha tido atenção de público e premiação no 26º Cine Ceará?

Eu acho que ambos os filmes deslocam o cinema cearense desse lugar dito, da representação do "Ceará Tradicional". Percebo isso desde 'Estrada para Itaca' de Guto Parente, Irmão Pretti e Pedro Diógenes e ano passado assisti 'Medo do Escuro' de Ivo Lopes que é nessa linha também. Assim o 'Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois' e o 'Janaína Overdrive' são resultados dessa geração de filmes mais urbanos e vão deixando esse lugar do cinema cearense da cultura popular ou da religiosidade. Como você bem falou "o cinema de um modo geral não pode estar preso à qualquer limite" estamos mostrando isso. Em especifico no caso do 'Janaína Overdrive' rompemos no cinema tanto esse limite de um cinema cearense tradicional quanto o limite do cinema de função com grande recurso. Essa atenção do publico e essa premiação no 26º Cine Ceará é muito também pelo fato de apresentarmos uma filme de escola bem feito, com pouquíssimos recursos, mas com criatividade, bastante trabalho e entrega no sentido de cada um acreditar e apostar no projeto.

Você já tem novos projetos em mente?

Tenho algumas ideias, mas no momento falta tempo para torná-las um projeto. Não pretendo parar de realizar filmes.



Rafael Gomes em cena de "Cinemão"


Layla Kayã Sah em "Janaína Overdrive"

Ficha Técnica "Cinemão"

Direção: Mozart Freire Roteiro: Mozart Freire Assis. de Direção: Renata Cavalcante. Preparação e Direção de Atores: Hylnara Anne Vidal Produção: Adail Sales Junior / Israel Diogo Prod. Executiva: Fabrício Alves. Dir. de Fotografia: Daniel Pustowka Assist. de Fotografia: Flávio Araújo Direção de Arte: Suyane Albuquerque Figurino: Suyane Albuquerque Assist. de Arte: Ronaldo Barreto. Som Direto: Angelo Sousa Assist. de Som: Abdiel Anselmo. Montagem: Abdiel Anselmo / Jônia Tércia Trilha Sonora: "Legal é ilegal." Felipe Cordeiro Editor de Som: Vivi Rocha

Ficha Técnica "Janaína Overdrive"

Roteiro e Direção Mozart Freire. Direção de Produção Natasha Silva / Ton Martins. Direção de Fotografia Daniel Pustowka. Direção de Arte Jônia Tércia / Mozart Freire. MONTAGEM Abdiel Anselmo / Jônia Tércia / João Maria. Som Direto Angelo Sousa / Alex Fedox. Trilha Sonora Paranoia / Killer Waves – Intuición Produtpra Escola Pública de Audiovisual Vila das Artes Elenco Eusébio Zloccowick, Layla Kayã Sah, Jéssica Teixeira, Felipe Nascimento, Felipe Araújo, Graco Alves.

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