Sand Castle (EUA) |
Fernando Coimbra é o primeiro brasileiro a frente de um filme original Netflix. Esse fato, por si só, já diz muito (ou tenta dizer) sobre um momento de transição que há mais de 10 anos estamos declarando passar. Mas ‘Castelo de Areia’ não é, em sua natureza estrutural, um telefilme – tradição que alavancou junto a outros meios principalmente pela ascensão das séries de TV como mercado até mais rentável e, de certo modo mais cômodo, que o cinema. O filme de Coimbra, porém, também não parece de telona. O que é, então?
Filmes de guerra são cada vez mais constantes na indústria (até o controverso Terrence Malick está preparando um para 2018) e o motivo é evidente. O tema é naturalmente dramático e de envolvimento necessário, já que não se doer por guerras parece desumano para um espectador que se rende a histórias de aspecto real. ‘Castelo de Areia’ vai nessa mão utilizando um protagonista que, felizmente, parece complexo. Não é aquele cara que vai à guerra lutar pela pátria e matar alguns muçulmanos ou japoneses. Até é, mas não por uma garra patriota de quase inconsciência. Os falhos sentimentos de medo que Clint Eastwood tentou encarnar em ‘Sniper Americano’ e até mesmo o de heroísmo que Mel Gibson tenta convencer em ‘Até o Último Homem’ aqui são mais tangíveis. Curioso que, para isso, o filme condense esses sentimentos e alcance mais impacto real que os filmes citados. Um único momento incita isso, quando Ocre vocifera para um professor apontando-lhe a culpa pela intolerância e o mesmo responde: “Mas não fomos nós”. Esse vilão coletivo mora no ideológico xenófobo de quem precisa culpar algo que não se enxerga; é só lembrar da restrição de entrada muçulmana nos EUA no início do Governo Trump.
O soldado Matt Ocre de Nicholas Hoult não quer ser o herói ou o vilão, mesmo deixando claro muito cedo que não quer participar de tudo aquilo. Porém, a qualidade desse discurso não é tão forte quanto parece e as impressões acima sobre um posicionamento distinto ao antagonismo funciona parcialmente no ideal. A posição de Ocre sobre esse drama de guerra é instável demais para que a abordagem de Coimbra consiga traduzir esse sentimento dúbio que alterna entre não querer fazer parte e, de repente, querer fazer alguma coisa. Os contornos do personagem geram uma indiferença geral diante a situação e, aos poucos, surge um desprendimento emocional.
Não é um filme memorável, apesar de tudo. Mas essa ambição curta não é maquiada por qualquer truque que superproduções estejam acostumadas a fazer. Não há uma trilha que força a existência de um envolvimento, como o último ato inconsequentemente heroico no filme de Gibson. Coimbra compra essa ideia silenciosa mesmo sabendo da possibilidade de isso causar a indiferença em questão. Os sofrimentos emocionais de Matt, nessa balança complexa de sentimento, ainda são instigantes, e é isso que faz permanecer. Há alguém interessante nesse cenário que, apesar de não ser compreendido, é apresentado.
Sem qualquer interesse em sequências frenéticas e tampouco na dramatização exaustiva, Coimbra cria uma atmosfera que, apesar de gerar vilões, não reduz o conflito narrativo a esse embate. Combater o outro lado é uma necessidade interna, já que Ocre quer resolver o problema que lhe foi confiado; o fato dos ataques locais impedirem essa intervenção e não diretamente ataca-los como nação contribui diretamente para essa relativização.
É fato que a produção de filmes diretamente para streaming espontâneo é uma realidade interessante. Porém, ainda falta muito para termos plataformas mundiais suficientes e, com isso, repensar novas qualidades. Esse início a passos lentos (apesar de bruscos) ainda está nessa incompreensão de formatos. Não acredito que estejamos diante um novo modo de se fazer filmes apesar de existir uma nova vitrine, e a apatia de 'Castelo de Areia' ainda não diz nada sobre isso. É apenas um filme frágil de tensões surpreendentes. E isso vale por enquanto.
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