As histórias do húngaro Kornél Mundruczó se parecem com as do grego Yorgos Lanthimos. Não em forma ou narrativa, já que seria complicado parecer assim sem imitar peculiaridades. Mas, precisamente, pela a união de bizarrice e ineditismo que precisa ser surpreendente. Curioso que ambos estejam competindo pela Palma de Ouro esse ano em Cannes, com 'Jupiter's Moon' e 'The Killing of a Sacred Deer', respectivamente. Suas carreiras até se assemelham na relação com Cannes, mas essa proximidade rende uma outra reflexão que fica para depois. Em questão, está o que há de instigante nessa bizarrice e a preparação para o que pode vir.
O ápice mais recente na carreira de Kornél foi o emotivo 'Deus Branco', vencedor do prêmio Un Certain Regard em Cannes de 2014. Sua trama de aparência inofensiva traz um cachorro que, após ser abandonado, precisa sobreviver na rua. Se escutado por trás da porta, poderia dizer que era a descrição da jornada tragicômica 'Bolt - Supercão'. Não parece suficiente para um drama como o é de modo tão intenso. Matérias pelo mundo tentava explicar o filme é uma linha: "Filme com arrastão de cães é premiado em Cannes". Filmar com cachorros não é novidade para nenhuma das principais mídias audiovisuais, mas o trabalho de Kornél consegue ser único nesse processo, tornando-os na principal chave dramática de uma obra que reconhece o desvio a ser feito. O cachorro, claro, não é um cachorro, sendo o filme uma desafiadora metáfora sobre a marginalização instantânea da cidade e conflitos de "urbanização social". É um filme de discussão abertamente política, apesar de pouco ter humanos, sendo visível a necessidade de ter como protagonista um animal obrigado a evocar seu instinto de sobrevivência.
Não coincidentemente, a Hungria viveu conflitos entre um governo tido como conservador e pessoas sem abrigo no país. Em 2013, uma lei permitia que municípios interditassem certas áreas para os desabrigados. Poucos anos antes, 2011, chegou-se a aprovar a extensão de uma lei que só era vigente em Budapeste que previa multa para quem dormisse nas ruas. À frente do parlamento desde 2010, Viktor Orbán passou por essas questões que viriam a ser fundamentalmente refletidas em 'Deus Branco' e tornou-se também um dos "vilões" na crise imigratória que vem sendo discutida na Europa. Veja só, o protagonista do mais recente trabalho de 'Jupiter's Moon' é um imigrante que após ser baleado em uma perseguição na fronteira do país ganha a habilidade de flutuar enquanto se vê preso em um campo para refugiados.
É claro que há exageros na ambição de Kornél; 'Deus Branco' possui muitas insistências. Mas permanece intacta a mensagem de esperança, o desejo, e a discussão fértil apesar de ser tudo muito fixo. Esses impactos chegam não importando o humor da recepção e isso me parece ser no mínimo interessante ao seu objetivo quanto cineasta.
Ontem (18), 'Jupiter's Moon' teve sua primeira exibição mundial. A recepção, porém, não foi agradável. (Confira as críticas completas clicando no portal)
Dos brasileiros, somente o crítico Rodrigo Fonseca externou o seu deslumbre.
"A direção é de Kornel Mundruczó, freguês daqui, que sempre pareceu muito fraquinho em frequência narrativa, mas agora mostra uma força singular no domínio de cartilhas de gênero, a começar pela fantasia. Tem em seu filme cenas de perseguição de carro dele capazes de evocar Drive (2011). [...] Mundruczó fez um filmaço. Filmaço que parece até um filme de super-herói, por ter um personagem voador."
De um modo geral, porém, a peculiaridade de Kornél não foi bem decifrada. Sendo o primeiro filme a receber vaias em Cannes (costume lamentável do festival), a obra afastou a imprensa que se mostrou entediada.
Francisco Russo (AdoroCinema)
"Jupiter's Moon peca especialmente em dois problemas cruciais: o roteiro raso, que constantemente dá voltas em torno do mesmo tema, e as citações à religião. [...] Diante de tantos problemas de roteiro, resta apenas o inusitado da movimentação de câmera, sempre bem orquestrada. Ainda assim, com o passar do tempo tal artifício perde força devido à repetição contínua, tornando-se também cansativo."
Pablo Vilaça (Cinema em Cena)
"Infelizmente, por mais que aprecie a nobreza da mensagem de Jupiter’s Moon, não posso deixar de reconhecer a superficialidade que adota ao tentar transmiti-la, chegando a carregar nas comparações entre o sírio e a figura de Cristo (e considerando que a maioria da população síria é muçulmana, este é um paralelo no mínimo atrapalhado)."
Fabricio Duque (Vertentes do Cinema)
"[...] tudo nos leva a uma tentativa de choque com ações violentas-viscerais “no limite” e interpretações forçadas, desengonçadas, manipuladas e excessivamente emotivas. São informações demais. Seu diretor esqueceu da máxima de “menos é mais” de seu “White Dog”."
David Ehrlich (IndieWire)
"Eventualmente, Mundruczó perde toda a paciência, abandonando sua trama ao invés de simplesmente dizer-nos o que ele está tentando dizer. Não se preocupe se você não sacar quando Stern exige a ressurreição da Hungria, ou lamenta como “horizontal” seu país tornou-se (em oposição à força vertical de céu e inferno). Mundruczó não vai deixar este filme terminar antes que tenha certeza de que se entendeu a mensagem: Nós pode afundar sozinho ou nadar juntos"
Jean-Claude Raspiengeas (La Croix)
"Depois de um longo soco na introdução pelo realismo aterrador na violenta perseguição aos refugiados sírios que atravessam a fronteira húngara, o filme muda para um maneirismo policial-fantástico levado ao extremo, cujo interesse é diluído"
Boyd van Hoeij (The Hollywood Reporter)
"A maior fraqueza de seu roteiro é que o seu tecido conectivo e arco geral narrativa não são tão completo como seus 'setpieces' [cenas geralmente caras que requerem grande logística de produção] são criativos e muito bem concebidos. Isso resulta em um filme com alguns reais impressionantes destaques visuais, mas uma 'throughline' narrativa que se sente desigual e desequilibrado."
Jacques Mandelbaum (Le Monde)
"Personagens simplificados e monótonos, [...] um estilo teológico ostensivo engomado que adiciona um monte de confusão para um drama contemporâneo que é suficiente por si só. Difícil de dispor de uma certa sensação de desconforto."
Por enquanto, tudo o que temos é o trailer que foi lançado no mesmo dia. Impressiona, de imediato, a energia e o destaque visual da obra (Não é que o cara flutua mesmo?). Aguardemos para ver com os próprios olhos o que faz Kornél com uma ideia de aparência tão preciosa quanto essa: um "super herói" imigrante.
Dos brasileiros, somente o crítico Rodrigo Fonseca externou o seu deslumbre.
"A direção é de Kornel Mundruczó, freguês daqui, que sempre pareceu muito fraquinho em frequência narrativa, mas agora mostra uma força singular no domínio de cartilhas de gênero, a começar pela fantasia. Tem em seu filme cenas de perseguição de carro dele capazes de evocar Drive (2011). [...] Mundruczó fez um filmaço. Filmaço que parece até um filme de super-herói, por ter um personagem voador."
De um modo geral, porém, a peculiaridade de Kornél não foi bem decifrada. Sendo o primeiro filme a receber vaias em Cannes (costume lamentável do festival), a obra afastou a imprensa que se mostrou entediada.
Francisco Russo (AdoroCinema)
"Jupiter's Moon peca especialmente em dois problemas cruciais: o roteiro raso, que constantemente dá voltas em torno do mesmo tema, e as citações à religião. [...] Diante de tantos problemas de roteiro, resta apenas o inusitado da movimentação de câmera, sempre bem orquestrada. Ainda assim, com o passar do tempo tal artifício perde força devido à repetição contínua, tornando-se também cansativo."
Pablo Vilaça (Cinema em Cena)
"Infelizmente, por mais que aprecie a nobreza da mensagem de Jupiter’s Moon, não posso deixar de reconhecer a superficialidade que adota ao tentar transmiti-la, chegando a carregar nas comparações entre o sírio e a figura de Cristo (e considerando que a maioria da população síria é muçulmana, este é um paralelo no mínimo atrapalhado)."
Fabricio Duque (Vertentes do Cinema)
"[...] tudo nos leva a uma tentativa de choque com ações violentas-viscerais “no limite” e interpretações forçadas, desengonçadas, manipuladas e excessivamente emotivas. São informações demais. Seu diretor esqueceu da máxima de “menos é mais” de seu “White Dog”."
David Ehrlich (IndieWire)
"Eventualmente, Mundruczó perde toda a paciência, abandonando sua trama ao invés de simplesmente dizer-nos o que ele está tentando dizer. Não se preocupe se você não sacar quando Stern exige a ressurreição da Hungria, ou lamenta como “horizontal” seu país tornou-se (em oposição à força vertical de céu e inferno). Mundruczó não vai deixar este filme terminar antes que tenha certeza de que se entendeu a mensagem: Nós pode afundar sozinho ou nadar juntos"
Jean-Claude Raspiengeas (La Croix)
"Depois de um longo soco na introdução pelo realismo aterrador na violenta perseguição aos refugiados sírios que atravessam a fronteira húngara, o filme muda para um maneirismo policial-fantástico levado ao extremo, cujo interesse é diluído"
Boyd van Hoeij (The Hollywood Reporter)
"A maior fraqueza de seu roteiro é que o seu tecido conectivo e arco geral narrativa não são tão completo como seus 'setpieces' [cenas geralmente caras que requerem grande logística de produção] são criativos e muito bem concebidos. Isso resulta em um filme com alguns reais impressionantes destaques visuais, mas uma 'throughline' narrativa que se sente desigual e desequilibrado."
Jacques Mandelbaum (Le Monde)
"Personagens simplificados e monótonos, [...] um estilo teológico ostensivo engomado que adiciona um monte de confusão para um drama contemporâneo que é suficiente por si só. Difícil de dispor de uma certa sensação de desconforto."
Por enquanto, tudo o que temos é o trailer que foi lançado no mesmo dia. Impressiona, de imediato, a energia e o destaque visual da obra (Não é que o cara flutua mesmo?). Aguardemos para ver com os próprios olhos o que faz Kornél com uma ideia de aparência tão preciosa quanto essa: um "super herói" imigrante.
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