Há uma certeza de realidade nas obras de Ira Sachs, e 'Little Men' (no original) é uma realização completa desse sentimento. Apesar de ter uma aparência muito simples, a história sobre dois garotos que se tornam amigos por uma situação inesperada é um drama que arde silenciosamente. E é curioso que nenhum de seus outros temas sejam levados a se concluir, bastando a Ira a percepção externa ao fato – e mesmo que os garotos não estejam 100% em cena, a eles o filme se dirige quando a história precisa de justificativas.
O impasse de uma inquilina que não pode ser despejada e a angústia de um ator malsucedido são problemas muito “adultos” para que duas crianças precisem resolver. Não é que eles possuam esse papel explicitamente, mas Ira e Maurício Zacharias (roteirista de ‘Céu de Suely’) compreendem que a origem dessas situações é justamente o que permitiu aquela amizade a se fortalecer prematuramente. E é aí que mora a certeza de realidade, nessa aproximação que é tão instantânea quanto sincera. O filme resgata essa percepção infantil do mundo, das relações, dos problemas e principalmente das soluções. Os garotos, em meio a precisão de seus deveres, tornam-se personagens tão reais que o envolvimento externo ao filme é imediato. Há uma vida de pequenas angústias, medos e tranquilidades a ser vista com a mesma preocupação que posteriormente acompanhamos o drama “adulto”.
Aliás, as distinções entre Jake e Tony nunca são vistas como um conflito – até há um pequeno momento do filme que isso é induzido, mas sem a atenção usual. Questões que são explícitas nos outros filmes da dupla Ira/Maurício 'O Amor é Estranho’ e ‘Deixe a Luz Acesa’, aqui são somente entrelinhas que não precisam ser desenvolvidas; esse pequeno silêncio é ainda mais confortante para entender as emoções. Nada muda na relação dos dois, e os sonhos permanecem os mesmos. Jake quer ser artista visual e Tony artista cênico; ambos enxergam esse futuro juntos e a realidade externa não impede isso. É um raciocínio curioso, já que o “fracasso artístico” está em evidência como indicação ao que não trilhar: o trabalho com moda está ultrapassado naquela vizinhança, e a atuação não rende frutos suficientemente financeiros. Como se esse interesse ainda fosse parte de uma ingenuidade julgada, só que Ira confia demais nos seus personagens para que reduza esse drama a um grande sonho prestes à diluição. É tudo real, e isso confronta diretamente a verossimilhança do envolvimento dos garotos com a “realidade”.
Embora tenha uma narração “calma”, a sensação é também de um filme que não perde tempo. O gancho inicial da trama cria rapidamente uma situação sensível de muitas possibilidades e, na cena seguinte, os antolhos são posicionados; é um filme que sabe para onde olhar. Não nos interessa visualizar esse passado que flutua sobre as tensões da história (flashbacks, porta-retratos, nada disso). Todas as provas estão no presente e objetivo é não permitir qualquer desconfiança. A posição de Leonor (a inquilina) é recebida com um sentimento pulsante e, de certa forma, muito repentino, por mais que a principal desordem se construa gradualmente. E apesar de tudo isso abrir um leque pertinente ao drama (discussões sobre família, capital e valores sociais), a alma do filme é a performance de Michael Barbieri e Theo Taplitz. Os atores novatos fazem importar toda a responsabilidade que sobra aos seus personagens, e isso é o que revigora constantemente as nuances (e elipses) presentes.
‘Melhores Amigos’ é, sobretudo, um resgate da infância por uma história integralmente cúmplice dos desafios. Isso entrega a obra um caráter que convence pela organicidade de elementos simples, e sua principal ambição está nessa tranquilidade (mesmo que isso venha a gerar algumas inquietações). Não é necessário elaborar um turbilhão de momentos – quando uma história já é por si só um pequeno grande filme, eles acontecem sem parecer que estão acontecendo.
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