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Uma Agente Muito Louca (2017) | A heroína “café com leite”

RAID Dingue (França / Bélgica)
Chega a ser engraçado, e não por ser uma comédia, que ‘Uma Agente Muito Louca’ tente tangenciar alguma discussão feminista. Sua protagonista é mais forte que o marido, evidentemente mais determinada e também desencaixada de “padrões femininos”. No entanto, Johanna (Alice Pol) é o completo inverso da proposta e tudo aquilo do que lhe acusam os homens em cena. Sobrando somente vontade, a mulher que sonha em ser uma agente federal é na realidade incompetente, inconsequente e perigosa (por estar onde está). Mas é claro que essas questões são invalidadas por uma comédia que não serve a nenhum aspecto de realidade.

Todos os atropelos ilógicos da história são defendidos pela tese de um humor no sentido mais burlesco, utilizando-se da maioria dos clichês oferecidos. A começar pela estrutura que precisa de um personagem postiço que está lá para fortificar a mudança que obviamente vai acontecer. Assim como o namorado ignorável de Mia em ‘La La Land’, torna-se visível desde cedo que o noivo de Johanna será descartado. O motivo? Dar espaço ao protagonista que deixará de ser machista para construir um núcleo romântico em circunstâncias que sequer fazem sentido.

Por querer ser uma comédia de gradações explícitas, a obra perde qualquer nuance ao apostar nas mesmas fichas. As piadas narrativas fazem jus à escola “Tom e Jerry”, sendo não somente sempre escrachadas, como cansativas – afinal, não estamos falando de um episódio de meia hora. Nos minutos iniciais, questionei se não estava em uma sitcom americana – o salto do relógio é o primeiro indicativo de uma montagem que também precisa ser “engraçada”. É compreensível, porém, que a caricatura dessa mulher desajeitada convença. O antigo 'Zorra Total' permaneceu muitos anos iluminando os sábados da Globo com os mesmos ganchos cômicos; algumas cenas aqui parecem ter saído dele, inclusive, como a falha tentativa de sedução (é uma pena que a intenção talvez fosse “brincar” com a imagem da mulher que precisa saber “ser mulher”).

O ícone recorrente Dany Boon é o dono do filme; diretor, roteirista e mais uma vez protagonista. É estranhamente curioso (mas não surpreendente) que seu personagem seja o único a passar por uma transformação ideológica, enquanto Johanna permanece exatamente a mesma (nem mesmo uma reviravolta forçada lhe causa impacto crível). Não importa a Dany se sua personagem faz sentido, já que se torna fácil, principalmente no desfecho, desculpá-la por todos os “erros” a aplaudindo por motivos questionáveis. A heroína de Dany é na realidade a “café com leite” dos verdadeiros heróis.

O humor de 'Uma Agente Muito Louca' é tão divertido quanto a tradução brasileira de seu título. A vida útil de suas piadas é muito curta e incompatível com a extensão da fórmula; é até realmente engraçado perceber que rapidamente chega um momento em que o filme não tem mais pra onde ir sem tropeçar (literalmente) na mesma cilada. Visto por um lado completamente inconsequente e desligado, o filme de Dany Boon é ótimo, assim como o quadro da Lady Kate foi por temporadas na Globo. Se não for por essa visão, porém, não lhe resta nada.

Crítica: Uma Agente Muito Louca (2017)

A heroína “café com leite”



/ Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2017 /

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