The Dark Tower (EUA) |
“O homem de preto fugia pelo
deserto e o pistoleiro ia atrás”, diz a primeira linha de O Pistoleiro (1982,
224 páginas), livro que inaugura a saga de Stephen King intitulada A
Torre Negra, considerada pelo próprio autor como sua magnum opus.
Mas a simplicidade de seu início em nada se assemelha à complexa história
construída ao longo de 30 anos, com sete livros principais, um extra e outras
dezenas de histórias convergentes a esse universo em outras obras do escritor
norte-americano.
Surgida da vontade de King
de fazer o seu “próprio O Senhor dos Anéis” e baseada em um poema
de Robert Browning (Childe Roland à Torre Negra Chegou),
a saga do pistoleiro Roland Deschain, espécie de cavaleiro da távola redonda do
velho oeste, carrega uma infinidade de gêneros literários com novos elementos
mitológicos que surgem a cada volume. Apesar de começar como um simples western (ainda
que com ares pós-apocalípticos), acaba cedendo espaço à ficção científica, à
fantasia e, claro, ao terror.
Talvez por isso, essa seja
uma obra com pontos altos e baixos: a megalomania do autor, às vezes, é sua
própria perdição. Por isso, é fácil perceber exageros no caminho de Roland até
a lendária Torre Negra, local quase sagrado para a sua linhagem de guerreiros
há muito tempo extintos e onde o anti-herói espera reverter o fim do chamado
Mundo Médio, um lugar que “seguiu em frente”.
Em O Pistoleiro,
temos apenas uma apresentação desse curioso local, onde podemos escutar uma
versão alternativa de Hey, Jude sendo tocada por um pianista
de saloon, e pouco conhecemos sobre o protagonista, além daquilo
mostrado em pequenos trechos de seu passado como pré-adolescente na antiga
baronia de Gilead. Apesar das poucas palavras e da atitude que dificilmente
deixa transparecer seus sentimentos, as ações de Roland são o suficiente para
que nos encantemos com esse personagem, mas, acima de tudo, tenhamos medo dele:
eis aqui um homem capaz de qualquer coisa para alcançar seu objetivo.
A dureza e (quase)
insensibilidade de Roland se repete na sequência, A Escolha dos Três (1987,
400 páginas), na qual há um foco muito maior em estabelecer paralelos entre o
Mundo Médio e a Terra, sendo este um dos pontos fortes do livro. A dinâmica do
pistoleiro com elementos e pessoas de nosso mundo rende bons capítulos, capazes
até de nos fazer esboçar alguns sorrisos, diante da impossibilidade do
protagonista de entender como a nossa vida do lado de cá funciona ou mesmo de
saber que sanduíches não se chamam “popquins” e farmacêuticos não são bruxos.
Boa parte do frenetismo do
segundo livro, causado pelo imediatismo demandado pela situação de perigo
constante em que se encontram os personagens, se repete em As Terras
Devastadas (1991, 512 páginas), talvez o segundo melhor momento da
série. Neste único livro, somos presenteados com angústia, amor,
arrependimento, violência e, acreditem ou não, rock and roll. Há também toques
de nazismo, misticismo, histórias infantis, viagens entre realidades paralelas
e inteligências artificiais dotadas de sarcasmo. Não, King não tem medo de
misturar tantos ingredientes no liquidificador. E isso foi só um resumo.
Até então, o autor parecia
ser perfeitamente capaz de escrever histórias de ação dotadas das maiores
improbabilidades que pudessem vir à sua cabeça, criando a tônica do que viria a
ser o seu mais importante trabalho. Mas é no momento em que ele tira o pé do
acelerador e põe seus personagens para ouvir uma história do passado, em torno
de uma fogueira noturna, que A Torre Negra chega em seu melhor
volume, Mago e Vidro (1997, 787 páginas).
Apesar das muitas páginas, a
fluidez da história torna esse o livro mais tragável de toda a saga. No momento
em que Roland inicia o trágico conto de sua primeira missão como pistoleiro aos
14 anos, só conseguimos parar quando finalmente entendemos o que o
implacável ka (“destino”, na língua de Gilead) pode ter
colocado no caminho do jovem para que ele se tornasse a impenetrável rocha de
muitos anos depois. O gosto amargo na boca e os sentimentos de tristeza e
incredulidade são inevitáveis ao fim do volume.
E quando vemos o pistoleiro
aceitando a ideia de que pode ser novamente parte de um ka-tet (grupo
de companheiros ligados pelo destino) e ser capaz de amar, o medo dá lugar à
empatia. Sim, ainda tememos pela vida de seus companheiros, que correm o risco
de ser sacrificados se isso deixar o pistoleiro mais perto de sua tão sonhada
Torre, mas aos poucos vamos nos convencendo de que sua obsessão pode dar lugar
a sentimentos mais altruístas, como a vontade de proteger os seus acima de
qualquer coisa.
Lobos de Calla (2003, 714 páginas),
por sua vez, traz de volta o bom frenetismo de momentos anteriores e impõe
novas rupturas e desgastes entre os personagens, ao mesmo tempo nos dando a
sensação de impasses insolucionáveis. Sabemos que, na reta final até a Torre, o
caminho será ainda mais árduo e devemos estar prontos. Mas nada pode nos
preparar para a extravagância expressa nas últimas páginas da saga.
Talvez pela pressa em
terminar sua infindável obra após o atropelamento quase fatal de 1999, King não
tece com o mesmo esmero as linhas de Canção de Susannah (2004,
432 páginas) e, finalmente, A Torre Negra (2004, 845 páginas).
Os excessos estão cada vez mais evidentes e o autor chega ao absurdo de
transformar a saga em uma vitrine de sua própria bibliografia, com citações a
livros convergentes ao mundo de Roland dentro da própria história com o puro
intuito de lembrar aos leitores de passar na livraria mais próxima.
A mania de grandeza do autor
está presente mesmo nos momentos finais da saga, quando todo o universo já
deveria estar plenamente estabelecido, mas, ao invés disso, ainda precisamos
lidar com novos conceitos e termos apresentados de última hora. É confuso quando
personagens passam a falar com naturalidade de coisas que até então
desconheciam, usando uma desculpa ineficiente: “Não sei como isso; apenas sei”.
As falhas do volume final,
porém, não fazem deste um livro desprovido de emoção. Não são poucas as passagens
com potencial de arrancar lágrimas do leitor investido na história de Roland,
um homem cuja tristeza da vida atual só não se iguala àquela da vida passada, e
de seus companheiros, conectados a alguém eficiente em lhes trazer felicidade e
ruína com a mesma intensidade.
Com um desfecho que, como
outros bons finais, gera discussões sobre seu significado e rende as mais
inusitadas teorias (apesar de serem um tanto claras as reais intenções do autor
ao escrever as palavras finais da obra), A Torre Negra pode
não ser o melhor trabalho de King, como defendido por muitos, mas tem,
certamente, o necessário para cativar um leitor disposto a se abrir a uma
história desprendida de quaisquer amarras. A viagem até o campo de rosas onde
se encontra o destino de Roland é longa e descrita em páginas muitas vezes
cansativas. Os bons momentos da jornada, porém, se sobressaem e tornam esta uma
leitura válida para qualquer amante de literatura fantástica. Ou de ficção
científica. Ou de western. Ou de terror.
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