Pular para o conteúdo principal

Jogo Perigoso (2017) | A prisão existencial de uma mulher

Em uma das primeiras cenas de Jogo Perigoso, adaptação da Netflix do livro de Stephen King (1992), vemos Jessie Burlingame (Carla Gugino) de frente a um imenso lago, sem se dar conta de como a liberdade proposta pelo ambiente nunca esteve presente em sua própria existência feminina. Apenas dali a minutos acompanhamos a protagonista tentando se livrar de uma prisão literal e figurativa; e sentiremos angústia por ela.

E o quão diferente é Jessie de tantas outras mulheres? Algemada a uma cama, no meio do nada, sem qualquer pessoa por perto para libertá-la, a sempre “boa esposa” se vê obrigada a finalmente confrontar os próprios pensamentos, antes silenciados pelo que ela achava ser livre escolha. E é evidente a constante tentativa de culpar a si própria por erros dos homens de sua vida, tanto o marido (Bruce Greenwood), quanto o pai (Henry Thomas).

Crítica: Jogo Perigoso (2017)

A prisão existencial de uma mulher


O filme foi posto nas mãos do competente Mike Flanagan, responsável pelo excelente Ouija: A Origem do Mal (2016). Justamente pela bagagem do diretor/editor/roteirista, ainda que o terror aqui não seja o foco, há boas cenas que conversam com o gênero. Mas é na forma de transformar em personagens as ideias de uma mulher já atravessando a barreira da loucura, consequências de uma vida imposta a ela, que o filme se sobressai.

Flanagan também é eficiente na transmissão de aflição para nós, algo construído por cenas em que qualquer movimento errado de Jessie pode significar seu fim: é duro vê-la tentar realizar atividades que seriam fáceis se seus braços não estivessem algemados, como tomar um gole d’água. É clara a referência disso à própria vida da personagem (e à de pessoas reais), em que tudo pode ser mais difícil apenas por ela ser mulher. A prisão nesse último caso nem sempre é tão evidente.

Mas também é nesse ponto que Jogo Perigoso começa a falhar. Os simbolismos, nem tão óbvios no início, se tornam exagerados e repetitivos. Não era necessário, por exemplo, fazer a protagonista dizer que seria hora de “fazer o sol brilhar”, uma referência boba a uma lindamente fotografada e angustiante cena da metade do longa, em que a personagem está diante de um eclipse. Há outras pieguices, mas falar sobre elas implicaria fazer revelações da trama.

Com bons elementos de terror, um ato final de retorcer o rosto e uma narradora que constantemente nos faz questionar se podemos dar a ela nossa confiança (aqui os monstros podem ou não ser reais), o filme é uma adaptação quase literal do livro de King. Porém, se não há muitas novidades no roteiro, a boa direção e as inteligentes soluções para tornar dinâmica uma história ambientada em praticamente um único local tornam este um dos melhores filmes baseados na obra do escritor.

Comentários

  1. A fotografia é impecável, ao igual que a edição. Sem dúvida voltaria a ver este filme! A atmosfera é estressante e te mantém no suspense até o final, realmente gostei. Stephen King é um gênio de terror, tem um talento incomparável, é o melhor escritor. Minha história favorita dele é It: A coisa, acho que Pennywise é um icone, recém vi o novo filme, dirigido por Andy Muschietti e adorei, é sensacional. Acho que é uma boa adaptação, o novo Pennywise é muito mais escuro e mais assustador, Bill Skarsgård é o indicado para interpretar o palhaço It . Os filmes de terror são meus preferidos, evolucionaram com melhores efeitos visuais e tratam de se superar a eles mesmos. Eu gosto da atmosfera de suspense que geram. E acho que este é um dos melhores, It tem protagonistas sólidos e um roteiro diferente. O clube dos perdedores é muito divertido e acho que os atores são muito talentosos. Já quero ver a segunda parte.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Deixe sua opinião!

Postagens mais visitadas deste blog

A Morte do Demônio (2013) | Reimaginação do "Conto Demoníaco"

The Evil Dead (EUA) Em 1981, Sam Raimi conseguiu realizar algo extraordinário. Com um orçamento baixíssimo (em volta de 1,5 mil), o diretor reinventou os filmes idealizados dentro de uma cabana com jovens e demônios. Além disso, ainda conseguiu fãs por todo o planeta que apreciavam a maneira simples e assustadora que o longa fora realizado. Em 2009, Raimi entrou em contato com Fede Alvarez por seu recente curta-metragem viral que rolava pela internet. A conversa acabou resultando na id eia de uma reinvenção do “conto” original de 1981. Liberdade foi dada à Alvarez para que tomasse conta da história. Percebe-se, a início, a garra deste para uma boa adaptação, no entanto, ainda peca por alguns problemas graves percebíveis tanto para quem é ou não é fã do original. Ao que tudo indicava, seria um Reboot. Mas se trata, na realidade, de uma (aparentemente) continuação audaciosa. A audácia já começa no pôster de divulgação: “O Filme Mais Aterrorizante que Você Verá Nesta Vida”...

Anúncio Oficial [Duas Faces do Cinema: Quarto Ato]

Desde que nós dois, Arthur Gadelha e Gabriel Amora, sentamos para decidir o nome do blog de cinema que escreveríamos a partir dali, e entramos no acordo que “Duas Faces do Cinema” intitularia o projeto, já sabíamos, mesmo sem dizer um para o outro, que ele não perduraria para sempre; não como principal. No entanto, assim que lançado, ainda com um fundo preto e branco, separando o casal principal do grande vencedor do Oscar, “O Artista”, a marca “Duas Faces do Cinema” ganhava espaço entre amigos e familiares.

Amor, Plástico e Barulho | SENSUALIDADE, CHORO E PAETÊS [por Gustavo Nery]

Brega: gênero musical popular brasileiro com raízes e destaque na região nordeste, caracterizado por suas músicas que misturam romance e sedução, e por suas cantoras excêntricas e de visual espalhafatoso. É nos bastidores dessa atmosfera que se desenvolve o drama “Amor, Plástico e Barulho” (2013), da diretora pernambucana Renata Pinheiro, e premiado em festivais como o de Brasília (2013) e Aruanda (2013). O longa-metragem foi exibido em Fortaleza pela primeira vez nessa sexta (13), como parte da II Mostra Cultura de Cinema Brasileiro. A trama do filme se desenrola em torno de Jaqueline (Maeve Jinkings), vocalista da banda Amor com Veneno , cuja carreira encontra-se em um patamar de incerteza, resultando em crises de alcoolismo e sintomas depressivos. Em contraponto, a jovem dançarina Shelly (Nash Laila), também integrante da banda, está determinada a atingir o sucesso e realizar o sonho de tornar-se cantora de Brega, independente das dificuldades que surgem em seu caminho. A...