Quando Stranger Things estreou há pouco mais de um ano, a comoção geral sobre a série girava em um torno de basicamente um aspecto: as homenagens à cultura da década de 80, não só pelos pôsteres de filmes e bandas expostos, mas sobretudo pelas referências estéticas na direção e no som. Agora, com uma base de fãs já estabelecida, a segunda temporada entregue pela Netflix confia totalmente em seus personagens para contar uma nova história.
Não que as referências oitentistas dos criadores Matt e Ross Duffer tenham sido abandonadas: elas ainda podem ser vistas aos montes, até mesmo nos materiais de divulgação. A forma, porém, não é desprovida de conteúdo, pois o seriado entende que, depois de um ano (o gap também ocorre no enredo), estamos ansiosos para saber o que mudou na vida dos habitantes de Hawkins e como os eventos passados afetaram a vida daqueles envolvidos.
É proveitosa, por exemplo, a exploração de Will (Noah Schnapp), que, antes desaparecido, só agora pôde mostrar suas camadas. É digna de nota a atuação de Schnapp, por saber transportar para o personagem toda a inquietude causada pela relação com o Mundo Invertido. E são dele duas das melhores cenas da temporada, ambas com grandes cargas de terror (em uma delas, é clara a referência a um dos maiores clássicos do gênero).
Os toques de terror, inclusive, estão muito mais presentes. Se antes a sensação de aventura e diversão trazida pela relação entre as crianças da trama tornava quase impossível sentir medo de qualquer cena do ano anterior, aqui há uma tensão muito maior, não apenas pela adição de alguns jumpscares eficientes, mas principalmente pela estranheza do caminho pelo qual a série nos guia.
O restante do elenco mirim também volta de forma competente, sobretudo na figura de Mike (Finn Wolfhard), cujos sentimentos por Onze (Millie Bobby Brown) rendem cenas que podem trazer tanto felicidade quanto pesar. Dustin (Gaten Matarazzo) continua divertido, ainda mantendo os conflitos amistosos com Lucas (Caleb McLaughlin), este último com um drama abordado de forma subjetiva, mas suficientemente dolorosa.
A série também aproveita a nossa familiaridade com os personagens para introduzir novas figuras, estranhas à princípio, mas que logo ganham nossa afeição ou repulsa (e isso também é um ponto positivo). Por outro lado, conflitos que já conhecíamos se tornam repetitivos aqui, como é o caso da relação entre Nancy (Natalia Dyer), Jonathan (Charlie Heaton) e Steve (Joe Keery), representando a subtrama mais desinteressante da temporada.
Já o arco da personagem de Millie Bobby Brown é instável. A relação da garota com o xerife Jim Hopper (David Harbour) é um dos pontos fortes: é intrigante ver um homem traumatizado pela perda de uma filha lidando com alguém que desconhece a figura de um verdadeiro pai. Entretanto, o episódio dedicado apenas a Onze destoa de todo o seriado, quebrando a sensação de estarmos assistindo a um grande filme (o letreiro na abertura de cada episódio, em que se lê Stranger Things 2, não está lá à toa).
Por último, mas certamente não menos importante, é delicioso ver o retorno de Joyce (Winona Ryder), com as caras e bocas tão caricatas e, ao mesmo tempo, tão cativantes. Ainda mantendo a persona de mãe preocupada, mas agora mais superprotetora (e com razão), ela protagoniza emocionantes cenas com o filho. Há até algumas rimas narrativas que remetem a momentos da temporada anterior, como se reforçassem a dedicação da mãe de jamais permitir que qualquer mal atinja Will novamente.
Os irmãos Duffer mostram, mais uma vez, que sabem como contar uma história, ao mesmo tempo em que expandem o universo que criaram. É significativo que tenham desprendido o seriado da necessidade de se autoafirmar como produto filho das inúmeras obras oitentistas que o influenciaram. Com diversão, emoção, toques de terror e sabendo utilizar o apreço do público pelos personagens que consagrou, Stranger Things volta já mesmo deixando saudades.
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