Ao longo de sua trilogia original, a saga Star Wars se inspirou em diferentes gêneros para contar as histórias daquela galáxia muito, muito distante: enquanto Episódio IV (1977) trazia, em essência, um filme de guerra e Episódio V (1980) mostrava um drama de ação centrado em relações familiares e de aprendiz/mestre, Episódio VI (1983) tinha traços de um conto de aventura. Como mais novo capítulo da franquia, Os Últimos Jedi consegue ser tudo isso em um filme só.
Nas mãos do diretor e co-roteirista Rian Jonhson (Looper: Assassinos do Futuro), o longa dá continuidade à nova trilogia valorizando os elementos e personagens simbólicos já consagrados, sem nunca negar espaço às adições recentes; e, por isso, a intercalação entre núcleos é algo constante. Em sua necessidade de mostrar as muitas frentes que possui, o filme se lança em diversas idas e vindas, ora se aprofundando em tom intimista, ora nos bombardeando com cenas de ação euforizantes.
A trama, de forma simplista, poderia ser resumida à luta da Resistência para manter viva a República frente à dominação opressora da Primeira Ordem. O reducionismo (necessário para evitar qualquer revelação maior capaz de interferir na experiência), porém, jamais faz jus à complexidade dramática apresentada. Se houve qualquer construção de expectativa no aguardo do longa, a mesma é quebrada tão logo somos levados pelos caminhos inesperados do improvável roteiro.
Isso porque, enquanto O Despertar da Força (2015) seguiu pelo trajeto cauteloso da relembrança e da repetição narrativa, em um respeito exagerado pelos filmes originais, Jonhson não tem medo de criar seu próprio filme, com suas reviravoltas e soluções únicas. A jornada não é óbvia, nem qualquer figura aqui é previsível. Ao longo da projeção (sobretudo em sua parte final), percebemos a infinitude de possibilidades que a saga pode abarcar.
É nos personagens e seus dilemas que Os Últimos Jedi tem sua maior força (nenhum trocadilho pretendido): por não se perder totalmente no maniqueísmo do bem contra o mal, Episódio VIII nos afunda em conflitos internos, a partir dos quais repensamos antigas idolatrias ou repulsas. É louvável, por exemplo, que o longa discuta, com base nesses conflitos, os falsos aspectos de bilateralidade da guerra e os erros dos velhos Jedi, abrindo espaço para uma revisão sobre o que consideramos como o cerne de toda a saga.
Parte disso surge de Rey (Daisy Ridley), tão obstinada a buscar respostas para as dúvidas sobre sua verdadeira origem atormentando sua mente, que, assim como nós, espectadores, demora a se dar conta da genial obviedade do papel que cumpre naquela trama. A jovem, já dona de um enorme carisma (muito em parte pelo trabalho simpático da atriz), passa por um processo de humanização mais eficiente do que qualquer teoria poderia ter previsto.
O mesmo pode ser dito de Luke Skywalker (Mark Hammil), responsável pela primeira grande quebra de expectativa do filme (e não de uma forma negativa). As perturbações do lendário herói, estampadas pelo que pode ser considerada a melhor atuação de Hammil na saga (é notável o prazer do ator em reviver o papel), constroem não só o personagem, mas também a sensação de que, assim como Luke precisa confrontar seus próprios erros, nós devemos repensar tudo o que aprendemos sobre a Força, a Ordem Jedi e a família Skywalker.
Em seu cansaço, a outrora Princesa Leia e agora General Organa (Carrie Fisher) também retorna para nos lembrar de que essa não é simplesmente uma história sobre tirania contra liberdade, mas também sobre o sacrifício de heróis nem sempre reconhecidos. A indomável combatente também protagoniza uma cena no mínimo intrigante e que certamente ainda gerará muitos debates pelo seu valor polêmico.
Entretanto, o filme é mesmo de Kylo Ren (Adam Driver), vilão que ainda inicia a projeção sofrendo da mesma imaturidade do filme anterior (algo que o torna interessantíssimo), mas agora lidando com as consequências internas e externas de seus atos prévios. As constantes dúvidas sobre o comportamento de Kylo – além dos monólogos interiores que não vemos, mas a belíssima atuação de Driver faz questão de mostrar que estão lá – impossibilitam qualquer tentativa de se preparar para o que o personagem vai fazer a seguir.
O desfecho do filme, aliás, é possivelmente o melhor já feito em toda a saga: os últimos trinta minutos trazem uma sequência de acontecimentos irrefreáveis não só preenchidos com ação, mas também com fortes cargas emocionais e simbólicas. Assim como são os primeiros minutos do longa, nos quais somos jogados já no calor de uma batalha, cujos protagonistas sequer conhecemos, mas pelos quais torcemos e prendemos a respiração.
E como se a própria ação (aliada à emoção e à apreensão) não fosse suficiente para garantir nosso total envolvimento, há sequências que poderiam se destacar puramente pelo valor estético que carregam. A fotografia do filme, comandada por Steve Yedlin, entende que batalhas épicas no espaço podem também ser belas. E há no mínimo quatro frames que poderiam facilmente ser emoldurados para se tornar enfeites de parede.
Além disso, os recursos estilísticos não se limitam à beleza de seus quadros e nem o desprendimento do que já estava bem estabelecido pela franquia é feito apenas no âmbito do roteiro. Também há o uso inédito de algumas ferramentas, como os diálogos que se passam por narrativa em off, a troca rápida de frames para exemplificar com detalhes a fala dos personagens ou as cenas de batalha em slow motion (estas estão entre aquelas molduras mencionadas mais acima).
Crítica: Star Wars - Os Últimos Jedi (2017)
Tudo o que Star Wars pode ser
Respeitando o espírito dos filmes que consagraram Star Wars como uma das sagas mais apaixonantes do cinema e ainda servindo os fãs com pequenos (e emocionantes) agrados, Os Últimos Jedi mostra que a nova trilogia pode caminhar com as próprias pernas e qualquer trajeto a partir daqui é imprevisível. Em meio a tantos sentimentos gerados pelo filme, há um em específico que se sobressai quando a tela se fecha para dar início novamente à clássica trilha de John Williams e aos créditos finais: a esperança.
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