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Eu, Tonya (2018) | Verdades contadas com estilo

Imagem relacionadaBiografias com temáticas esportivas tendem a ser direcionadas para um nicho muito específico de público e perder visibilidade. Mas ao nos depararmos com produções como Touro Indomável e Rush – No Limite da Emoção, percebe-se que o esporte se torna mero detalhe perante o que aquela obra realmente quer dizer. Eu, Tonya segue esta mesma linha e surpreende ao trazer um dos maiores escândalos do esporte com um ritmo excelente e atuações memoráveis.

+ Rush: No Limite da Emoção | A Obsessão Dual

A ideia era trazer diferentes perspectivas sobre o acontecimento. Para isso, Steven Rogers se apropriou de recursos narrativos distintos para que Eu, Tonya não se preenchesse de diálogos expositivos e ainda ganhasse a dinamicidade e o tom desejado. Numa mistura ambiciosa com docuficção, voice-over e quebra de quarta parede, Craig Gillespie compreende exatamente as intenções de seu roteirista e, em conjunto à exemplar montagem de Tatiana S. Riegel (não à toa concorrendo ao Oscar), entrega um trabalho primoroso que destaca o diálogo que a equipe teve.

Em alguns momentos específicos, a quebra de quarta parede se torna descartável e resulta em apenas um meio para tornar o filme mais “estiloso” – o que imediatamente nos faz remeter ao O Lobo de Wall Street, que utilizou esse recurso muito bem ao seu favor (coincidências ou não, o filme é sobre história real, envolve polêmica e tem Margot Robbie). Isso, porém, não se acentua devido às atuações que tornam todo diálogo orgânico e realista. As performances do elenco foram extremamente cuidadosas em reproduzir trejeitos, sotaques e expressões que, colocadas ao lado de vídeos reais, são idênticos.

Margot Robbie configura a melhor atuação de sua carreira, provando seu talento e surpreendendo aqueles que não acreditavam em seu potencial. Margot incorpora Tonya em diferentes facetas, convencendo-nos em todas elas. Em uma cena específica, a atriz vai da indiferença a lágrimas, de lágrimas a sorrisos em questão de segundos, exprimindo através do olhar todo desespero que Tonya Harding sentia por ser protagonista de eventos tão traumáticos. Nos momentos em que Margot e Sebastian Stan dividem a cena, apesar de um relacionamento conturbado entre seus personagens, existe equilíbrio entre os atores, o que caracteriza o esforço de ambos para tornar esses momentos os mais verossímeis possível.

Mas ao falarmos de atuação, a verdadeira presença que salta em tela é a de Allison Janney, quem interpreta a primeira vilã da vida de Tonya. Toda a crueldade da personagem se agrava com tamanha expressão e indiferença a qual Janney perpetua em sua interpretação. As escolhas de Gillespie em enquadrar a atriz em pontos cuja sua imponência é evidenciada, como ao colocá-la ao lado direito da tela (lado mais favorecido no enquadramento), apenas salienta a concepção da personagem sobre os olhos dos criativos.

É percebido um grande cuidado de Steven Rogers para desenvolver seus personagens. No caso de Tonya, por exemplo, foram escolhidos os momentos mais traumáticos de sua infância para dar embasamento ao comportamento da patinadora. Gillespie também se mostra como um diretor que possui tato e propriedade do seu trabalho, fazendo da sua direção firme como linguagem para evidenciar determinados pontos. Quando, por exemplo, a câmera passeia pelo backstage das competidoras enquanto estas se arrumam e se maquiam, até chegar a um beco escuro, onde se encontra Tonya fumando um cigarro e se mostrando totalmente alheia àquele universo de aparências. Ou até mesmo quando a imprensa deixa a casa de Jeff e no canto, a TV exibe a prisão de O.J. Simpson, que se tornou o novo alvo da mídia.

E, junto a todos esses elementos cinematográficos que fomentam ainda mais a linguagem de Eu, Tonya, a seleção de canções para embalar os acontecimentos da trama não poderia ser melhor. A trilha sonora de Peter Nashel exalta sentimentos através da música. Sobretudo nas cenas da patinação, embora não seja o foco do filme, faz vibrar com as conquistas e derrotas de Tonya. Ainda sobre as patinações, um dos maiores desafios da produção, embora os efeitos gráficos sejam muito evidentes, a montagem utiliza cortes certeiros para mascará-los. E, mais uma vez, quando estas cenas são colocadas a par dos vídeos reais, mostra a competência da equipe em retratar a história da maneira mais verídica possível.

Eu, Tonya, como já diz em seu título, é sobre a vida da patinadora. Mesmo com um dinamismo entre as cenas, músicas animadas e humor ácido, é um filme triste. Não hesita em mostrar como a violência sempre fez parte da vida de Tonya, que, desde o início, só queria ser amada. Eu, Tonya é um filme sobre ser mulher, ser pobre e ser abusada de tantas maneiras diferentes, cujo esporte é apenas o pano de fundo para mostrar a verdade de Tonya Harding. E a verdade é cruel. 


Crítica:  Eu, Tonya (2018)

Verdades contadas com estilo

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