Uma piada política com toques de novela criminal. Essa é uma das definições para Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso (2018), longa-metragem com direção de George Clooney e um atrevido roteiro escrito a quatro mãos: além do próprio Clooney e de Grant Heslov, o texto foi concebido pelos renomados irmãos Ethan e Joel Cohen, o que certamente aumenta a responsabilidade e as expectativas sobre a produção. Com tantos nomes já aqui citados, seria adequado simplificar a trama (já não tão complexa como parece) em apenas uma frase? No caso da artificial (mas desorganizada) Suburbicon, talvez, mas não seria interessante ignorar suas críticas à “moral” e aos “bons costumes”; ao “recatada e do lar” e, principalmente, ao “make America great again”.
Introduzindo, já em seus minutos iniciais, a atmosfera cômica e artificial do “estilo de vida americano” permeada pelo filme - que, neste caso, situa-se no final da década de 1950, em uma vizinhança de subúrbio denominada Suburbicon -, a trama se desenrola a partir de um crime que é cometido na casa de uma “família tradicional”, interpretada por Matt Damon, Noah Jupe e Julianne Moore (esta última, em dose dupla, e tão caricata quanto os papéis exigem). A situação preocupa os cidadãos do lugar, que interligam o ocorrido à chegada de uma família de negros ao bairro. No entanto, a verdade sobre o crime é bem diferente e desafia as aparências familiares.
A dosagem de conflitos da produção é, certamente, seu pecado mais crucial. Enquanto a situação do crime, por exemplo, vai ganhando mais braços ao longo da projeção, a temática de segregação racial e do preconceito é somente pincelada; em vez de um paralelo coeso entre as situações, há uma prejudicial interferência, que afeta a principal mensagem do filme. O desenrolar dos fatos também é problemático: a introdução segue um pacato cotidiano que é apresentado em ritmo mais lento do que a exagerada novela-thriller que o longa se torna a partir de seu segundo ato.
Crítica: Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso (2017)
Chacota politizada sobre moral
Há, no entanto, alguns aspectos positivos na escrita teatral da origem ao filme. Dando indícios de previsibilidade, Suburbicon leva o espectador a criar expectativas e ansiar por vê-las em tela, despertando-o de sua poltrona ao envolver e divertir. Colaboram muito para isso a presença e torcida por um herói inocente, aqui a encargo do ator mirim Noah Jupe (Extraordinário, 2017) - que entrega a melhor performance da produção -, e a trilha do já reconhecido Alexandre Desplat (A Forma da Água, 2018), ao tirar proveito dos momentos de tensão e reconhecer o exagero característico da obra.
É importante salientar que escrita dos Cohen, em suas particularidades, tem dentre as mais notáveis a dosagem moderada de violência (que, apesar de muito presente, é contraposta com comicidade), o desencadear insano de situações e a existência do fator “acaso” (este segundo sendo uma das principais chaves da obra de Woody Allen, por exemplo). Esses aspectos estão mais presentes em Suburbicon do que na empreitada de 2016 da dupla, Ave, César!, que inclusive é estrelada por Clooney e também ambientada em meados do séc. XX. Percebe-se, desta vez, uma proximidade com Fargo (1996) e outras obras do passado da dupla, embora ainda esteja longe de atingir igual excelência.
No embrião da narrativa de Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso, há o desejo em resgatar temáticas sociais e justiça; a trama alfineta decadentes modelos de perfeição em uma sociedade hipócrita, que enquanto age preconceituosamente com aquilo que é diverso, demonstra-se cega para sua defeituosa conduta.
Embora a premissa esteja fragmentada em uma bagunçada estrutura que prejudica as lições do conto, sendo diluída e caricata (o que, por um lado, entretém) e por vezes deixando coisas que importam de lado, ela desperta brevemente a cutucada que almeja na ferida moderna: mesmo que os eventos aconteçam no século passado, com direito a cercas segregativas e manifestações de opressão, nada é muito longe dos muros anunciados em contemporaneidade. É mesmo verdadeiro o Paraíso? Ou apenas aparência?
Embora a premissa esteja fragmentada em uma bagunçada estrutura que prejudica as lições do conto, sendo diluída e caricata (o que, por um lado, entretém) e por vezes deixando coisas que importam de lado, ela desperta brevemente a cutucada que almeja na ferida moderna: mesmo que os eventos aconteçam no século passado, com direito a cercas segregativas e manifestações de opressão, nada é muito longe dos muros anunciados em contemporaneidade. É mesmo verdadeiro o Paraíso? Ou apenas aparência?
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