Alguns ainda creem no jornalismo como uma entidade totalmente independente de interesses econômicos. O antigo sonho do jornalismo como ferramenta para democratizar a informação se torna uma utopia, ao nos depararmos com a indústria do fake news, o uso desesperado de clickbaits e todo graves tipos de parcialidades intrínsecas em cada reportagem. Steven Spielberg, que vivenciou diferentes fases dos jornais, retoma uma era distante com sua nova obra. The Post – A Guerra Secreta, ainda que com artifícios cafonas, coloca em cena a luta pela liberdade de imprensa e exalta todo o glamour da comunicação.
Spielberg, com sua vasta experiência, demonstra total conforto em sua posição como diretor. Todas suas decisões tomadas a respeito da direção de cena evidenciam seu domínio de câmera e suas decisões certas para cada sequência. Movimentos de câmera, os sensatos usos de contra-plongée, closes e até a câmera parada contribuem para a narrativa do filme, dialogando com recursos que vão além do roteiro e atuação.
Todos esses elementos de direção comprova a competência de Spielberg. Nas cenas que a editora Kat Granham (Meryl Streep) está entrando sozinha numa sala só com homens, Spielberg faz questão de destacar sua presença, colocando a câmera atrás da atriz, acompanhando todos os olhares masculinos da sala. Sua direção intimida quando deve. Mas ainda assim, o diretor não deixa de trabalhar com alguns planos bregas, como ao mostrar o que o personagem está lendo com uma sobreposição de seu rosto junto de uma narração.
Mas até as cenas ditas cafonas têm um propósito. Esta última citada situa o espectador no contexto. Embora o filme só explicite com clareza o que ele quer dizer no segundo ato, deixando toda introdução confusa e arrastada. Mas nada que Meryl Streep e Tom Hanks, que deu a vida ao jornalista Ben Bradlee, não sustentem. Ambos em atuações memoráveis, conseguem tecer perfeitamente a personalidade de seus personagens. Da forma mais natural possível, a performance dos dois salta à tela e prova o que já esperávamos da dupla: uma atuação impecável.
Não por acaso, as cenas que ambos dividem a tela são as melhores. Um trio fantástico – incluo o diretor nisso – que deixa cada diálogo orgânico, entregando algo que muito se aproxima da realidade e cumpre com a proposta de colocar o público dentro do filme. Meryl e Tom dão a profundidade que o roteiro pede, sem que nada soe forçado ou inverossímil.
E por falar em roteiro, se em algum momento de The Post - A Guerra Secreta for observado alguma semelhança com Spotlight, o filme que também fala sobre jornalismo e vencedor da Academia em 2016, não é por acaso. Josh Singer, que roteirizou Spotlight (e venceu o Oscar de Melhor Roteiro Original), assina também o roteiro de The Post, em um trabalho conjunto com Liz Hannah. Alguma dúvida de que ele curte jornalismo investigativo?
Em um ritmo que demora a engatar, The Post – A Guerra Secreta começa lento e vai se desenvolvendo conforme os personagens. A trilha sonora, muito contida, parece ser composta apenas do som ambiente de uma redação dos anos 70: telefones e máquinas de escrever. Esta só se revela de verdade em momentos de suspense e na sequência final, com toda exaltação que existe.
Em um mundo perfeito, a trilha de exaltação seria poupada. Os últimos minutos são arrebatados por frases de efeito, diálogos chulos e até uma pequena reviravolta que são descartáveis. O filme, que ia se construindo tão bem, utilizando humor comedido, se perde no final piegas e cafona. Se estivéssemos na década de 1990, quem sabe recebêssemos isso melhor.
No fim, The Post – A Guerra Secreta nos traz à mente uma época que a imprensa parecia se desprender de quaisquer interesses políticos e econômicos e cumprir com o propósito com o qual lhe foi criado: informar. Com a nossa conturbada política e em um campo no qual apenas o poder está em jogo, a informação se torna nociva e, “talvez”, apenas mais uma ferramenta para manipulação. Estaria Spielberg saudoso? Não estaríamos todos?
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