Com uma atmosfera que remete a Iluminado, com seus travelings com O Único Plano de Fuga de Stanley Kubrick, planos captados com uma lente que lembra uma visão extracorpórea da rotina do bem-sucedido cardiologista Steve (Colin Farrel), O Sacrifício do Cervo Sagrado tenta atrair sua atenção neste mês de fevereiro.
O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017)
Com divina retribuição, Ele virá para salvá-los
A história acompanha o personagem de Farrel, que mantêm contato frequente com Martin (Barry Keoghan), que perdeu o pai na mesa de operação na qual Steve trabalhava. Quando Martin começa a não obter a atenção desejada pelo cirurgião, coisas estranhas começam a acontecer a seus filhos. Ao acompanhar a família do médico e suas relações intrínsecas, sentimos que cada plano carrega uma estranheza suspensa e crescente pelo uso do zoom; ele te intima a mergulhar em cada diálogo na mesa de jantar, em cada andança sem pretensões pela ala de um hospital ansiando por achar o erro na imagem e temer pelo que virá ao som dos violinos que arranham a tela.
Todos os elementos orquestrados contam uma história de um núcleo familiar único mais por laços sanguíneos e relações de poder; como se todos no longa fossem corpos dispostos em quadro que devem falar suas falas e ir embora. De repente, o corpo é tratado como objeto de manuseio, que tem pelos, ejacula, menstrua, realiza funções orgânicas não subjetivas, a esposa que se finge anestesiada na hora do sexo, o peixe que se está a filetar, a lombar de uma criança; só carne, mero receptáculo que lança interesse em quem detêm o poder nesse filme.
No caso, ele é efetivado pela presença de Colin Farrel, o médico com mãos lindas em que sua frieza exala a autoridade de quem tem o mundo à palma. Porém, como a queda do império egípcio do Antigo Testamento, e como Lanthimos fez anteriormente em seu Dente Canino (só que pela perspectiva do dominado), O Sacrifício retrata o declínio do pedestal antropocêntrico masculino (que soou até como pleonasmo) de Steve. Os planos extracorporais se tornam voyeristicos com a mudança do tema da narrativa e agora nos convidando a presenciar o espetáculo da perda de poder.
Os contra-plongées dão lugar ao famoso shot eye of god e há takes em que Colin Farrel aparece diminuído e rebaixado pelo ângulo da câmera que o coloca na impotência de não poder interceder em acontecimentos que sua fã filosofia não consegue explicar. Porém, de abusos de autoridade (O Lagosta) e controle paternal (Dente Canino) Lanthimos está cheio. Enquanto que Dente Canino nos impressiona por seu ineditismo de alegorias ainda impensadas e O Lagosta gera risos desesperados pela astúcia da narrativa irônica de um homem que não consegue o que quer numa sociedade gerida por uma sorte doentia e um destino castrador, O Sacrifício ganha o espectador quando seu conceito ainda é escondido e espera pelo grande golpe. No miolo do filme, o golpe bate e, a partir daí, a narrativa mantêm sequências que estabelecem os mesmos conceitos pincelados anteriormente até culminar no grande ápice. O filme tem um desfecho com uma dilatação temporal que não causa efeito nenhum.
O Sacrifício do Cervo Sagrado chama sua atenção até ir assisti-lo, continua ganhando até metade da minutagem com toda sua união de forma e baseamento teórico, até cair por terra no restante de sua performance. A experiência deixa um sentimento de “not this year Lanthimos , not this year”…
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