Perdas, ódio e perdões: é sob essas três condições que Três Anúncios Para um Crime se constrói. Em um estilo que pode ser definido como um faroeste contemporâneo, o novo trabalho de Martin McDonagh possui um texto ácido e sincero que ganha vida através de um elenco primoroso. A harmonia criada por estes elementos entrega um filme com a capacidade de imersão, provocando sensações que ultrapassam as paredes da sala de cinema.
O peso carregado pela trama já se torna explícito em seu argumento: uma mãe em busca de justiça para a filha que fora estuprada e brutalmente assassinada. A partir daí, não é difícil sentir empatia pela protagonista em sua posição desfavorável de mulher e de mãe solteira. A performance de Frances McDormand emana os sentimentos de raiva, frieza, compaixão e vulnerabilidade, que acompanham a sua personagem de forma equilibrada, que em uma aliança com o roteiro de McDonagh, cria camadas para Mildred Hayes.
O desenvolvimento de personagem não fica restrito apenas à protagonista, e esse é um dos destaques de Três Anúncios Para um Crime – o que, inclusive, garantiu três merecidas indicações nas categorias de atuação da Academia. O policial Dixon (Sam Rockwell) possui uma desconstrução de personalidade que fica latente até nos sentimentos do público para com o personagem. Rockwell abraça os ideais problemáticos e a insegurança do policial que mora com a mãe e é desmoralizado por todos. O mesmo acontece com o chefe Willoughby (Woody Harrelson), tecendo uma firmeza na relação entre o trio.
McDonagh, que roteirizou e dirigiu, demonstra segurança em sua posição dupla. Sua câmera contida trabalha em cima do que seus personagens sentem, por exemplo, nos momentos que Mildred fica mais confiante, o plano vai fechando em seu rosto, inclinando-se em um leve contra-plongée, tornando a presença da personagem maior naquele quadro. O diretor estabelece tanto no seu roteiro, quando em sua direção, uma relação dos personagens para com os outdoors.
Os três outdoors se apresentam como actantes daquela narrativa (de um ponto de vista semiótico); objetos que sofrem a ação dos sujeitos e que são indispensáveis para a trama se desenvolver. Os primeiros minutos do filme deixam claro aqueles objetos como ponto central, da mesma forma que os primeiros contatos dos personagens com os outdoors. Isso fica ainda mais latente na última sequência, na qual a presença dos objetos e a maneira na qual eles foram enquadrados definem e constroem os personagens, esclarecendo qualquer brecha que tenha sido deixada para uma solução final.
Trabalhar tais elementos, sem que se faça necessário um diálogo para explicar, configura a maturidade e a boa performance do diretor em seu papel de utilizar a linguagem da câmera em prol de sua narrativa. Contudo, junto a esses acertos, também existem algumas falhas em soluções que o roteiro apresenta. Personagens que aparecem convenientemente, como o de Peter Dinklage, ou uma cena expositiva para demonstrar a tristeza de Mildred, que pode ser facilmente denotada apenas pela sua situação.
Ainda assim, Três Anúncios Para um Crime tinha tudo para ser denso, pesado e que causa um desconforto. Ele é tudo isso, mas utiliza o humor ao seu favor para se tornar mais ameno. O humor áspero que configura o filme lembra muito o dos Irmãos Coen – inclusive um deles é casado com Frances, que atuou em Fargo – e encontra os momentos certos, de forma inesperada, para lhe arrancar um riso e, apesar da obscuridade da trama, lhe divertir.
E embora não salte a tela tanto quanto seu roteiro, a estética da obra atenua e ressalta a sua qualidade. Na trilha sonora com predominância country de Carter Burwell e a fotografia de Ben Davis somos ambientados na cidade fictícia de Ebbing, Missouri, sendo o pano de fundo perfeito para os eventos que ali aconteceram, mesmo que a cidade se resuma à rua da delegacia e à estrada dos outdoors.
Com minúcia, Três Anúncios Para um Crime compõe relacionamentos entre seres humanos. Retrata seus vícios e suas virtudes para situações que nossa humanidade é colocada à prova. A obra é o instrumento perfeito para incitar a reflexão sobre nossa condição em uma corrente de ódio que tende a crescer. Sofremos perdas, odiamos, perdoamos; o que seria Três Anúncios Para um Crime se não um filme sobre nós mesmos?
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