Eis aqui mais uma obra baseada em acontecimentos reais, mais precisamente sobre a máfia que ocorria em Nova York, as consequências da Guerra do Vietnã e a corrupção policial na década de 70. Um filme que teve inúmeras indicações a diversos prêmios internacionais, como o Oscar, o BAFTA, o Globo de Ouro, dentes outros. Todas as indicações foram em várias áreas da produção cinematográfica, deixando aqui irrelevantes tantas citações sobre sua qualidade impressa através das múltiplas visões das academias internacionais.
Crítica: O Gangster (2008)
O questionamento de valores em dois universos antagônicos
Frank Lucas (Denzel Washington) é o braço direito de um dos maiores líderes negros que controlam a máfia em Nova York. Após anos aprendendo com seu tutor, quem ele considerava um pai, Frank tenta ocupar seu posto depois do falecimento do mestre por causas naturais. Porém, ele não era o único com esta ambição. Nesse contexto, ele precisava conquistar, seja pela força ou por outros métodos, o respeito de todos que frequentam as ruas de uma das cidades mais importantes dos Estados Unidos.
Para isso, Frank precisa de recursos e os busca através do tráfico de drogas internacional às sombras dos soldados americanos corruptos que regressavam aos Estados Unidos no fim da Guerra do Vietnã. Apoiado na família e criando uma verdadeira Máfia com elementos italianos que observamos diversas vezes nos filmes de Martin Scorsese, nosso protagonista sustenta o mesmo contraste: amado por muitos, temido por outros, ele tenta criar uma estrutura organizacional coesa e poderosa que elimine seus concorrentes. Vale ressaltar que o filme insiste na ética que caminha entre dois ambientes: sociedade e família. No contexto social, Frank era um grande criminoso; no familiar, um exemplo, e todos queriam ser como Frank.
No outro lado da moeda encontramos Richie Roberts (Russell Crowe): um policial mulherengo, em processo de divórcio com sua antiga esposa, Laurie Roberts (Carla Gugino), com quem briga pela guarda do seu único filho. Richie não foi só um esposo infiel, mas também um péssimo pai, nunca dedicando tempo para cuidar da criança e sempre discutindo sobre o que poderia ser melhor para o seu futuro.
Além disso, Richie era odiado em seu ambiente de trabalho, dessa vez pela sua melhor qualidade: uma conduta honesta impecável como policial. Richie não só era incorruptível, como denunciava os casos dos próprios colegas corruptos e se recusava a receber benefícios de dinheiro sujo. Vejam que Richie apresenta-se como um péssimo exemplo familiar, mas, socialmente, torna-se um exemplo como policial utópico, chegando a devolver à polícia quase um milhão de dólares em espécie que obteve em sua missão contra a máfia. Richie e Frank são dois completos antagônicos, um vive pela família a todo e qualquer custo; o outro, pela sociedade. O ponto forte de um sempre será o ponto fraco do outro.
À medida que Frank cresce nas ruas através do tráfico de drogas, combate a concorrência e trabalha a ampliação de sua família e seguidores, o policial tem seus problemas familiares e com a própria corporação corrupta onde trabalha. Todavia, por conta de seu histórico impecável como policial, ele é convidado a montar uma equipe que consiga localizar e combater uma nova e mais poderosa heroína que chega às ruas de Nova York, chamada de “Blue Magic”, e, advinha? Claro que é a mesma droga importada por Frank. Os policiais corruptos tornam-se um impasse para ambos os lados, cada um deles combatendo esse “inimigo” de forma diferente e sem saber da existência do outro.
O filme vai se desdobrando até que os antagônicos têm conhecimento do outro e finalmente começa o esperado enfrentamento. Cada um deles resolve suas questões familiares de forma completamente divergente, com suas consequências, mas mantendo a característica inicial que compete a cada um. A busca de Frank por poder a todo custo leva sua família consigo, e ele os mantém por perto. Eles estão no mesmo barco e seguem juntos para a ruína. O peso em suas costas fica cada vez mais nítido ao longo do filme e isso implica em suas decisões desequilibradas. Russell encontra-se encurralado junto ao seu orgulho e honra, assumindo sua infâmia por priorizar o trabalho acima da família, bem como sua infelicidade junto à esposa, também aceitando as consequências. Assim, distrações devem ser evitadas e deixadas de lado, como ele sempre fizera. O lobo solitário deixa ao seu lado apenas aqueles que, assim como ele, pela lei, não têm mais nada a perder.
O desfecho traz Frank sendo preso pela ação policial de Russell. Depois de tanto tempo e diversas problemáticas, finalmente o policial conseguiu sua bendita redenção. Frank mantém a classe até o momento de ser preso, salvando a família de um grande vexame no último instante. Veja que ele não é preso em qualquer lugar. O nosso “cidadão de bem” é pego pela polícia logo ao fim de uma missa, em uma igreja tradicional, trajando um terno digno de chefe de máfia. Todos esses elementos categorizam a persona de senhor familiar.
Porém, a classe de Frank chega ao fim, desestruturando toda sua estrutura calculista, e torna-se fúria ao perceber que não pode corromper Richie, afinal de contas, apesar de todos seus podres familiares, nosso policial era incorruptível. Esse comportamento de Frank sempre foi evidenciado ao longo do filme: ele queria ter controle de tudo e, quando não podia usar de seus métodos, a violência, a mão de ferro estavam sempre prontas para serem usadas. Aqui, nada poderia ser feito, não havia escapatória. Mas Frank ainda tinha dois impasses: ele precisava voltar para seus entes queridos, afinal, era um homem da família e ela precisava dele. Além disso, ele gostaria de destruir todos os seus inimigos. Frank não sabia perder, nunca deixaria seu legado para outros gângsteres ou policiais corruptos.
Então, temos ambos os protagonistas antagônicos, bons naquilo que se propõem a fazer, finalmente chegando a um consenso: Frank precisa de um acordo para não apodrecer na prisão, e Richie precisa limpar a corrupção das corporações policiais de Nova York. Vale ressaltar, novamente, que ambos tiveram suas desavenças com os policiais corruptos de NY, porém, dessa vez, ambos trabalhariam juntos e agora seria algo bem mais eficaz. Para Richie, isso significava uma redenção: ele viveu para isso, dedicou todo o seu ser a isso. Ele não só prendeu um dos maiores mafiosos dos anos 70, como também combateu um câncer na corporação policial, mudando o curso cultural da segurança daquela cidade. E Frank, o homem da família, após alguns anos, finalmente volta a ela, agora com certa honra, como sua mãe gostaria: ele auxiliou a polícia a tornar as ruas de NY locais melhores.
O filme dá grande peso a essa construção de diálogo sobre a ética e seus múltiplos espaços. Além disso, o roteiro é coeso; lento, porém denso, com uma perspectiva de evolução dos personagens envolvidos de forma maravilhosa. As atuações são brilhantes, um dos pontos mais poderosos do filme. A sonoplastia e a fotografia cumprem seu papel; nada de muito fantástico, mas extremamente funcional, destacando-se nessa parte técnica a direção de arte, que é fabulosa, um verdadeiro resgate histórico. Todos esses elementos que dialogam entre si fazem a mágica do cinema fluir e nos imerge nessa obra fascinante.
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