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O Barco (2018) | Sem substância, novo filme de Petrus Cariry se concentra no superficial

Petrus Cariry nunca foi um diretor de fácil compreensão. Os seus filmes, que se aproximam de fábulas de horror, possuem inúmeros simbolismos, personagens críveis e um universo sofrido, ainda que fotografados belamente. Com O Barco, filme de abertura do 28º Cine Ceará, tudo isso volta, exceto o esmero no roteiro escrito por Petrus, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda, que se assume uma viagem de mistérios que não diz muito mais que o óbvio.

Próximo de um O Regresso, de Alejandro Gonzalez Inarritu, O Barco é esteticamente arrebatador. A fotografia que abusa de cores frias, criando uma proximidade com a morte daquele lugar, mais ao design de som, que simula um desespero na praia habitada por Esmerina e seus 26 filhos, são técnicas competentes e que criam, acima de tudo, desânimo e aflição pelos protagonistas. É eficaz e funciona perfeitamente como construção de universo para os inúmeros personagens.

A, vivido por Rômulo Braga, é o filho que anseia por lançar-se ao mar aberto, onde acontece a pescaria de verdade. Além dele, também há Pedro, personagem que não fala desde que perdeu um filho no mar. Ainda há um cego que assume a missão de profeta da comunidade. E por último há Ana, mulher sobrevivente de um naufrágio e que conta histórias para seduzir os homens da praia.

Aproveitando todo o clima criado pelo diretor, a história se assume como uma obra com ares de fábula, onde o cenário belíssimo atrai os personagens para a discussão do que está além da linha do horizonte. São discussões já exploradas por inúmeros outros diretores, mas que nas mãos de Petrus acabaram ficando superficiais.

“Fico aqui e crio raízes ou saio do comodismo e exploro o desconhecido”. Essa angustiante frase não é dita com todas as palavras por A, mas invade a mente do espectador que, ao entender o drama do personagem, passa a refletir sobre o que ele deveria fazer. O problema, no entanto, é que ele já é um protagonista resolvido, sem muitas mudanças durante a obra, sem muitas camadas.

Sim, de fato, Ana serve de influência catalisadora em sua fuga. Mas fica claro que, sem a sua presença em tela, o filme ainda teria pouco a explorar. Essa personagem, inclusive, é aquela que traz associação de inutilidade, visto que se aproxima até demais do fantástico e não desenvolve nenhum outro conflito que o filme sinta interesse em apresentar. Além disso ainda há um erotismo gratuito e que não constrói a trama, diferentemente da protagonista de Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois, que assumia a responsabilidade de ser, de fato, uma mulher no mundo dos homens.
O roteiro, além disso, é redundante. Existe uma narração que não diz ao que veio, como se fosse uma prova de incerteza do diretor em mostrar cenas que o público não compreendesse. Para resolver isso, ele opta por narrar o filme... E essa mesma narração acaba se saindo precária, dado que ela explica a história do longa, quando os personagens também falam as mesmas insatisfações e diálogos do voice over.

Sim, é inegável que o roteiro tenha uma leva de signos e significados. Isso torna a jornada interessante e desperta a vontade de saber o destino dos sofridos personagens. A mãe, por exemplo, quase sem diálogos, tem inúmeras sequências subjetivas que testam a imaginação do público. Tais cenas tornam o filme rico, diferentemente do personagem cego, que surge em tela para explicar o que já estamos entendendo.

O filme não é um quebra-cabeça. Devido ao posicionamento expositivo dos personagens e da falta de desenvolvimento, fica a sensação de que a obra se sairia melhor em um formato de curta ou média metragem. Uma pena, no entanto, que O Barco seja mais um exibicionismo do que, de fato, um exercício de cinefilia, que Petrus tanto esbanjou com classe em seus filmes anteriores.

Crítica: O Barco (2018)

Sem substância, novo filme de Petrus Cariry se concentra no superficial

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