Petrus Cariry nunca foi um diretor de fácil compreensão. Os seus
filmes, que se aproximam de fábulas de horror, possuem inúmeros simbolismos,
personagens críveis e um universo sofrido, ainda que fotografados belamente. Com O Barco, filme de abertura do 28º Cine Ceará, tudo isso volta, exceto o esmero no roteiro
escrito por Petrus, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda, que se assume uma viagem
de mistérios que não diz muito mais que o óbvio.
Próximo de um O Regresso, de Alejandro Gonzalez Inarritu, O Barco é esteticamente arrebatador. A fotografia que abusa de cores frias,
criando uma proximidade com a morte daquele lugar, mais ao design de som, que simula um desespero na praia habitada por Esmerina e seus 26 filhos, são técnicas competentes e que criam, acima de tudo, desânimo e aflição pelos protagonistas. É eficaz e funciona perfeitamente como construção de universo para os inúmeros personagens.
A, vivido por
Rômulo Braga, é o filho que anseia por lançar-se ao mar aberto, onde acontece a
pescaria de verdade. Além dele, também há Pedro, personagem que não fala desde
que perdeu um filho no mar. Ainda há um cego que assume a missão de
profeta da comunidade. E por último há Ana, mulher sobrevivente de um naufrágio
e que conta histórias para seduzir os homens da praia.
Aproveitando todo o clima criado pelo diretor, a história se
assume como uma obra com ares de fábula, onde o cenário belíssimo atrai os
personagens para a discussão do que está além da linha do horizonte. São discussões
já exploradas por inúmeros outros diretores, mas que nas mãos de Petrus acabaram ficando superficiais.
“Fico aqui e crio raízes ou saio do comodismo e exploro o
desconhecido”. Essa angustiante frase não é dita com todas as palavras por A,
mas invade a mente do espectador que, ao entender o drama do personagem, passa a
refletir sobre o que ele deveria fazer. O problema, no entanto, é que ele já é
um protagonista resolvido, sem muitas mudanças durante a obra, sem muitas camadas.
Sim, de fato, Ana serve de influência catalisadora em sua fuga. Mas fica claro
que, sem a sua presença em tela, o filme ainda teria pouco a explorar. Essa personagem,
inclusive, é aquela que traz associação de inutilidade, visto que se
aproxima até demais do fantástico e não desenvolve nenhum outro conflito que o
filme sinta interesse em apresentar. Além disso ainda há um erotismo gratuito e que não constrói
a trama, diferentemente da protagonista de Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós
Dois, que assumia a responsabilidade de ser, de fato, uma mulher no mundo dos homens.
O roteiro, além disso, é redundante. Existe uma narração que
não diz ao que veio, como se fosse uma prova de incerteza do diretor em mostrar cenas
que o público não compreendesse. Para resolver isso, ele opta por narrar o filme... E essa mesma narração
acaba se saindo precária, dado que ela explica a história do longa, quando os
personagens também falam as mesmas insatisfações e diálogos do voice over.
Sim, é inegável que o roteiro tenha uma leva de signos e
significados. Isso torna a jornada interessante e desperta a vontade de saber o
destino dos sofridos personagens. A mãe, por exemplo, quase sem diálogos, tem
inúmeras sequências subjetivas que testam a imaginação do público. Tais cenas
tornam o filme rico, diferentemente do personagem cego, que surge em tela para
explicar o que já estamos entendendo.
O filme não é um quebra-cabeça. Devido ao posicionamento
expositivo dos personagens e da falta de desenvolvimento, fica a sensação de
que a obra se sairia melhor em um formato de curta ou média metragem. Uma pena,
no entanto, que O Barco seja mais um exibicionismo do que, de
fato, um exercício de cinefilia, que Petrus tanto esbanjou com classe em seus
filmes anteriores.
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